Mercado Acionário – Perspectivas 1987

Não pretendemos com esta conferência desenvolver qualquer exercício de futurologia. Temos em mente apenas dar uma contribuição à difusão do mercado de ações entre nós. Para discutirmos as perspectivas desse mercado, ainda que correndo o risco de repetir, entendemos ser necessário analisarmos as tendências daquilo que tem representado o mercado de ações de 1964 para cá e em alguns casos em comparação com outros países desenvolvidos ou em desenvolvimento, onde prevaleça a economia de mercado. Da mesma forma, assumimos que o objetivo fundamental de um mercado acionário eficiente seja o de aumentar os fundos disponíveis para atividades produtivas, orientando o fluxo de novas poupanças para o investimento em setores e empresas cuja expansão e crescimento seja mais desejável.

O Brasil viveu, de 1964 a 1973, um clima de inflação decrescente. Contribuíram para isso a reorganização do sistema financeiro, a criação de um mercado de capitais e a implantação da correção monetária viabilizando o crédito a médio e longo prazos anteriormente inexistentes.

A partir de 1973 recrudesceu a inflação com a crise do petróleo e inverteu-se a tendência para inflação ascendente. O crescimento do PIB, a partir de 1967, é acelerado para atingir o recorde de 14% em 1973, desacelerando-se a partir de então, mas mantendo elevadas taxas de crescimento a exigirem do sistema econômico grande esforço de captação de poupança para financiar tal crescimento. O perfil da poupança financeira bruta alterou-se sensivelmente, pois até 1971 as emissões de ações predominavam sobre os ativos não monetários, a partir de então inverteu-se a tendência, predominando estes sobre aquelas. Note-se, também, o crescimento da poupança financeira externa.

Dentre os haveres não monetários, destacam-se as cadernetas de poupança e os títulos de dívida pública com crescimento vertiginoso. Ambos os instrumentos com chancela governamental e indexados – correção monetária + juros reais. Após expressiva evolução para atingir a euforia irrealista de 1971, o indicador Giro Bursátil/PIB retrocedeu à situação anterior: 1,7%. Presentemente não se pode comparar os índices brasileiros com qualquer outro observado em mercados desenvolvidos, bem como os decréscimos têm sido constantes.

Não só tem sido acelerado o crescimento do PIB como já vimos, como também expressiva tem sido nossa capacidade de poupança, fato que indica pelo menos razoável grau de eficiência do mercado de capitais como um todo. Já o segmento mercado de ações se apresenta com eficiência relativa crescente até 1970 e decrescente de lá para cá. A emissão de ações por subscrição, que representou 25,8% da poupança em 1970, não passa de 8,1% em 1977. Já falamos do crescimento da poupança financeira externa. Ele ocorreu a partir de 1968, notando-se nos dois últimos anos um decréscimo expressivo em sua posição relativa. Além disso, e o que é mais importante, é a predominância, nos ingressos dessa poupança externa, dos empréstimos e financiamentos sobre os investimentos.

Com relação aos empréstimos do sistema financeiro ao setor privado, as instituições públicas (BNH, Caixas e BNDE) que respondiam por 74,6% em 1963 passaram para 37,35% em 1973, retornando para 61,74% em 1977. É inexpressiva a colocação de emissões de ações no mercado quando relacionada com a poupança nacional bruta. Já quando relacionada com o total de emissões mostra tendência para melhorar a posição relativa. Evidencia-se alto nível de concentração no mercado, sendo que em 1977 as três empresas com maior subscrição junto ao público absorveram 35,7% dos recursos; as 5 maiores 42% e as 15 maiores 64.1%.

O valor do estoque de ações de companhias abertas é de Cr$ 328 milhões, dos quais Cr$ 105 milhões em poder do público, sendo 41,9% de empresas estatais e 58,1% de empresas privadas. Do estoque em poder do público 39,1% são relativas às 3 maiores empresas; 44,1% às 5 maiores e 56.9% às 15 maiores.

O quadro retratado demonstra que apesar de o Mercado de Capitais como um todo ter evoluído, apresentando características semelhantes às dos países desenvolvidos, em muitos aspectos, o mesmo não acontece com o segmento do mercado acionário.

Este, de 1971, vem perdendo posição relativa, o que provocou do Governo, uma série de providências, seja concedendo ampla gama de incentivos fiscais, seja criando novos investidores institucionais ou mesmo reestruturando juridicamente alguns componentes desse mercado – Nova Lei das S/A. e Criação da CVM Comissão de Valores Mobiliários. Se de um lado pode parecer simples o diagnóstico, as causas desse quadro são, entretanto, bastante complexas.

Entendemos que o clima de 1973, totalmente desfavorável a mercado de risco, ainda mal curado dos danos de 1971 e desprovido de investidores institucionais, sem Legislação adequada e carente de recursos de investidores individuais, na ausência de melhor opção, forçou o empresário a alavancar com recursos de empréstimo. 0 Governo, apesar de apregoar a desaceleração, estava consciente de que era preciso manter elevadas taxas de crescimento do produto, conciliando-as com o equilíbrio no balanço de pagamentos. Ampliou as fontes de empréstimo, seja estimulando os ingressos externos, seja aumentando a participação governamental nos empréstimos ao setor privado, inclusive com incremento dos créditos subsidiados. O preço dessa opção, como se viu, não foi módico e ainda não foi totalmente pago. Por outro lado, o prazo de maturação de um mercado acionário eficiente era incompatível com as necessidades imediatas de recursos da economia na época.

Hoje, nos parece, chegamos ao limite do suportável, impondo-se uma mobilização geral visando a alteração da tendência exposta. Não somente as empresas, como também seus acionistas majoritários exauriram sua capacidade de endividamento. 0 mercado de ações tem que passar a desempenhar sua função econômica: ou abrem-se as empresas ou se completa a estatização da economia. Assim, a perspectiva desse mercado de risco será certamente razão direta daquilo que puder ser feito por cada um de nós para a melhoria de sua eficiência.

E inegável que muito se tem feito. Nesse sentido, a CVM, criada há menos de dois anos, já demonstra uma sólida consciência do problema, já tendo tomado uma série expressiva de medidas extremamente valiosas para a correção de algumas distorções – revisão da regulamentação dos fundos 157, visando eliminar conflitos de interesse existentes e estimulando ao mesmo tempo o fortalecimento das corretoras independentes; orientação para o mercado dos recursos a serem captados pelos fundos de pensão recentemente regulamentados e que deverão ser responsáveis pelo aporte de apreciáveis volumes de poupança ao mercado de capitais; regulamentação do fechamento de capital de cias. abertas visando a proteção dos minoritários.

As principais condicionantes da eficiência futura do mercado em nosso entender são: 1) CONDICIONANTES PROMOCIONAL E EDUCACIONAL – Nesse sentido assume real importância o trabalho de divulgação que o CODIMEC vem desenvolvendo e do qual este seminário faz parte. E fundamental divulgar e educar investidores, empresários e intermediários ainda muito carentes de noções básicas sobre a estrutura e características do mercado acionário. Por outro lado, impõe-se um trabalho de grande envergadura na área de promoção e propaganda do qual nos deu significativo exemplo a Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo. Note-se que no caso do Mercado de Ações pesa muito mais a promoção do que a propaganda.

2) CONDICIONANTES OPERACIONAIS – Estas são certamente as que menos preocupam. 0 Sistema já assumiu características operacionais em termos de instrumentos e suporte de informações bastante sofisticados semelhantes inclusive aos países mais desenvolvidos. Investiu-se muito em processamento de dados, instalações, sistemas, padronizações, instrumentos operacionais, que indicam, inclusive, a existência de significativa capacidade ociosa. Volumes muito maiores que os atuais podem ser processados diariamente sem necessidade de novos investimentos. Certamente muito pode ser feito para o aprimoramento dessas condicionantes, entre as quais podemos citar: regulamentação da conta própria das corretoras, operações de “insider”, conta margem, ações em tesouraria, informações a serem prestadas pelas cias. abertas, o funcionamento da CVM e da Nova Lei das S/A., na defesa dos interesses minoritários.

3) CONDICIONANTES ALOCACIONAIS – Neste grupo de condicionantes se encontra, a nosso ver, o fulcro do problema. Indaga-se quais as forças que condicionam a eficiência do mercado em alocar os recursos da poupança para o não exigível das empresas. Nesse sentido nos parecem muito importantes as observações feitas por Sebastião Marcos Vital e Walter L. Ness Jr. em seu trabalho “0 Progresso do Mercado de Capitais Brasileiro – Uma Avaliação Crítica” Revista de Administração de Empresas, Junho/marco/1973: “a fixação de taxas diferenciadas de rendimento para instrumentos homogêneos é claramente uma barreira à obtenção de eficiência alocacional”. “0 problema complica-se quando se considera que, na maioria das vezes, os mercados não são fluidos e que juntamente com a fixação das rentabilidades diferenciadas se aplicam regulamentos obrigando a que algumas instituições possam ter determinados títulos em seus “portfolios”, mas que sejam proibidas de demandar outros”.

A conjugação dessas duas restrições, por causar distorções gritantes, é a maior ameaça à eficiência alocacional. lmpõe-se a revisão desse quadro.

Merece também menção o problema dos incentivos fiscais. É importante reavaliá-los e redimensioná-los. Se de um lado o incentivo tem demonstrado ser valioso fator de alocação de poupança em setores prioritários, não é menos verdade que sua existência tende a se perpetuar por pressões políticas e de interesses econômicos, existindo inúmeros casos em que já é evidente que a existência do incentivo distorce a eficiência. Outra condicionante importante é a inflação. Numa economia em que a taxas de juros assume valores nominais elevados, fica muito difícil se estabelecer um “spread” adequado à remuneração adicional possível nos investimentos de risco. O controle da inflação pois, nos parece essencial. É imprescindível haver a perspectiva de inflação descendente para a retomada da confiança nos investimentos de risco pelos indivíduos.

É interessante notar que o mercado acionário já dispõe hoje de sólida base institucional que vem nos últimos três anos, indicando, pela ausência de grandes e repentinas oscilações, uma razoável eficiência. 0 nível de rentabilidade tem sido atraente. Os grandes promotores foram os fundos 157, cuja participação vem sendo complementada paulatinamente por outros investidores institucionais de natureza diversa (Seguradoras e Fundos de Pensão), o que é salutar, pois diversifica o perfil do mercado e amplia os polos de decisão. A divulgação das quantidades das cotas resgatáveis, obrigatória em 1979 e a retomada dos resgates em 1980, são indicadores de que esses fundos não serão mais os puxadores do mercado, sendo certo que contribuíram muito para seu aperfeiçoamento técnico.

Outro aspecto que diz respeito à eficiência alocacional e à especialização na atividade de investimento de risco. O sistema financeiro nacional de urna maneira geral não desenvolveu essa especialidade. Prevaleceu a vocação para o crédito. Exemplo nítido está em que criados para investimento os Bancos de Investimento não passam hoje dos grandes financeiras dos bancos comerciais. É preciso premiar, com estímulos, a capitalização dos intermediários financeiros que vêm se dedicando ou passem a se dedicar à difícil “arte” de canalizar recursos para o não exigível das empresas.

Relembro aqui, com a experiência de quem tem colaborado em inúmeros lançamentos públicos de ações, a tese do Presidente da CVM: “as ações tem que ser vendidas; não se vendem por si”. Como condicionantes adicionais e indutivas à disposição do governo, podemos mencionar a destinação de maiores parcelas de poupança compulsória para o mercado de risco e a penalização fiscal dos investimentos em atividades não produtivas, como acontece, com frequência, no mercado imobiliário. A especulação improdutiva nesse setor ainda não está devidamente desestimulada.

Como se vê, a perspectiva é de muito trabalho. Esse trabalho, temos certeza, será gratificado com bom retorno e mais rápido do que se espera.

Parece-nos que a fase da provação está superada e a da reconstrução em pleno andamento, dependendo a sua materialização mais rápida, corno disse anteriormente o Dr. Roberto Teixeira da Costa, do esforço que cada um de nós que, no âmbito de sua atividade específica, puder desenvolver.

Autor: Fernando Bueno
Sócio-Fundador e CEO na Santa Fé Investimentos

(*) Publicação na íntegra de artigo escrito em 1978, comentando o momento do mercado naquela época e o período 1971 a 1978, com a Crise do Petróleo em 1973.