ITAIPU E AS POLÊMICAS QUE RODEIAM A BINACIONAL EM 2024

A construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, a terceira maior hidrelétrica do mundo (em termos de capacidade instalada) e a maior das Américas, foi um empreendimento monumental que envolveu uma colaboração íntima entre Brasil e Paraguai. O tratado que estabeleceu as bases para a construção da usina foi assinado em 1973, com a construção iniciada em 1975 e concluída em 1984. Sua importância econômica para o Brasil é indiscutível, fornecendo uma fonte significativa de energia elétrica para as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, o que impulsionou o desenvolvimento industrial e econômico do país. A construção de Itaipu, entretanto, também gerou uma dívida que levou quase 50 anos para ser quitada: a última parcela foi paga ao final do mês de fevereiro de 2023. Segundo a própria empresa, “O total do pagamento da dívida para o empreendimento hidrelétrico de Itaipu foi de USS 63,5 bilhões, recurso empregado para que toda a infraestrutura necessária pudesse sair do papel – incluindo desapropriação de terras, construção de casas e pagamento das empreiteiras. Desse total, USS 35,6 bilhões foram pagos a título de amortização de empréstimos e financiamentos e USS 27,9 bilhões como encargos financeiros. ”

Pouco mais de um ano após a quitação da dívida histórica contraída para a construção de Itaipu, a expectativa era que a tarifa de repasse de energia elétrica praticada pela usina cairia drasticamente, o que não se concretizou totalmente. A tarifa de repasse é composta por quatro fatores:  Custo da Energia cedida ao Brasil, Saldo da Conta de Comercialização, Parcela devido a retirada do fator de reajuste e, principalmente, Custo Unitário dos Serviços de Eletricidade (CUSE), que representa mais de 90% da tarifa e considera os rendimentos de capital, royalties e ressarcimento dos encargos de administração e supervisão, além de dívidas, despesas de exploração e o saldo da conta de exploração. De fato, analisando-se os últimos anos, houve uma queda considerável no CUSE: De 2009 a 2021, ele ficou congelado em US$ 22,60 kW. Em 2022, com a redução no pagamento da dívida para construção da usina, a queda foi de 8%, chegando a US$ 20,75 kW. Já em 2023, o CUSE foi fixado em US$ 16,71 kW, valor 26% menor ao praticado no período de 2009 a 2021.

O ideal de abaixar ainda mais a tarifa praticada pela megausina esbarra, no entanto, em empecilhos políticos. O Paraguai, que tem direito a 50% da energia mas consome apenas cerca de 20%, e vende seu excedente obrigatoriamente para o Brasil, buscava aumentar a tarifa para algo em torno dos 22 US$ praticados anteriormente. O que não foi aceito pelo lado brasileiro e quase levou à paralisação das atividades da hidrelétrica devido à bloqueios orçamentários impostos pelo país vizinho. No início do ano,  o presidente paraguaio, Santiago Peña, chegou a vir ao Brasil e, em ocasião posterior, o Brasil enviou os ministros das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e de Minas e Energia, Alexandre Silveira, para discutir o assunto, sem chegar a uma resolução bilateral nessas ocasiões. No último dia 7 de maio, contudo, o Ministro de Minas e Energia viajou ao Paraguai para apresentar uma nova proposta ao país vizinho, que considerou “extremamente boa para os dois lados, e leva em consideração a gente sair desse ciclo vicioso de todo ano ter esse estresse de negociação com o Paraguai. Eu acho que está na hora do Paraguai ter sua autonomia energética, sua liberdade”.

Ao longo do dia, os termos do acordo vieram a tona: o Brasil concordou, após muita insistência do país vizinho, em aumentar o CUSE dos atuais 16,71US$/kW para 19,28US$/kW, um aumento de 15,4% mas abaixo dos 22US$ pleiteados pelo Paraguai. Apesar do aumento, o preço da energia negociada no Brasil não sofrerá impacto. Isso porque a metade brasileira de Itaipú irá injetar até US$ 900 milhões para compensar o reajuste, cerca de US$ 300 milhões por ano para o triênio 2024-25-26, um “investimento em modicidade tarifária” segundo o governo. Os recursos usados nessa espécie de subsídio virão dos gastos socioambientais da usina que seriam destinados ao lado brasileiro. Após esse período, a tarifa deve cair para algo entre 10 e 12US$/kW, sem contemplar gastos que não sejam operacionais. Adicionalmente, o acordo prevê algumas “compensações estruturais”, como um prazo máximo até 31 de dezembro deste ano para que Brasil e Paraguai renegociem o Anexo C do Tratado de Itaipu, que é a parte do Tratado sobre a comercialização da energia elétrica da usina, assim como a retirada da obrigatoriedade do lado brasileiro de comprar o excedente energético paraguaio, que passará a ser vendido no mercado livre ou através de leilões.

Os termos do acordo, no entanto, desagradaram entidades brasileiras. Segundo o Instituto Acende Brasil, um observatório do setor elétrico brasileiro, o acordo beneficia o Paraguai e não leva em conta a quitação da dívida ocorrida em 2023. Segundo a entidade, a amortização e os juros da dívida da construção da usina representavam 63% da tarifa em 2021. Com a quitação integral da dívida em 2023, o Acende estima que a tarifa deveria ter caído proporcionalmente para US$ 11,61/kW, o que não ocorreu devido ao aumento das despesas socioambientais, que subiram 93% nos últimos dois anos.

Enquanto o impasse com o Paraguai caminhava para um fim definitivo, o Governo Federal anunciou, no dia 06 de maio, que o lado brasileiro de Itaipu assinará um convênio com o Governo do Pará e com a prefeitura de Belém, no valor de 1,3 Bilhão de reais, para financiar obras em infraestrutura urbana na cidade, que sediará a 30ª conferência climática da ONU (COP30) no ano que vem. O anúncio foi duramente criticado por especialistas e entidades do setor elétrico, que caracterizaram o convênio como uso inadequado das receitas da usina hidrelétrica, além de uma oportunidade desperdiçada para reduzir as contas de luz no país.

O ex-diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e atual presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, Luiz Eduardo Barata, considerou a ação do Governo Federal “um escândalo”, e acrescentou que “não contestamos a importância dos investimentos que precisam ser feitos, mas é uma usurpação do dinheiro pago pelos consumidores de energia do Sul, Sudeste e Centro-Oeste em suas contas de luz”. Este foi o maior e mais recente dos “investimentos socioambientais” realizados pela usina, mas o primeiro fora da área geográfica potencialmente atendida pelos recursos da hidrelétrica – as regiões Norte e Nordeste não recebem energia de Itaipu.

Não é de hoje que Itaipu realiza esse tipo de investimento: em governos anteriores como Michel Temer e Bolsonaro, a Binacional financiou, por exemplo, a expansão da pista do aeroporto de Foz do Iguaçu – PR e as obras da segunda ponte internacional Brasil-Paraguai na cidade sul-mato-grossense de Porto Murtinho, respectivamente, sempre dentro da área atendida pela hidrelétrica. No entanto, os gastos da usina com ações socioambientais no Brasil e no Paraguai vêm aumentando desde a quitação da dívida histórica, passando de US$ 505 milhões em 2022 para US$ 921 milhões em 2023 de acordo com informações que constam das demonstrações contábeis e do relatório de auditores independentes divulgados pela empresa, dificultando a queda nas tarifas.

Jerson Kelman, ex-diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e um dos especialistas mais respeitados no setor, criticou a decisão do governo: “Depois de 50 anos, acabou a dívida de Itaipu. Em vez de a tarifa baixar, criaram novas despesas socioambientais”. Kelman argumenta que investimentos com essas finalidades devem ser bancados pelo orçamento público, não jogados para as contas de luz, que já são caras. Para ele, há uma “transferência de renda oculta” do dinheiro da hidrelétrica que, por ser binacional, não está submetida à fiscalização de órgãos como a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU). “Esperávamos um declínio substancial da tarifa de Itaipu com o fim do pagamento da dívida, mas os recursos da usina têm sido usados com fins políticos”, afirma Luiz Eduardo Barata.

Em nota divulgada à empresa, Itaipu Binacional destacou seu papel na produção de energia renovável e defendeu o investimento como “um legado do Governo Federal ao povo do Pará”. Para Enio Verri, diretor-geral do lado brasileiro de Itaipu, a recente tragédia envolvendo enchentes no Rio Grande do Sul reforça a necessidade de ações para conter as mudanças climáticas. Um projeto que estabelece a recuperação do estado sulista como prioridade dos investimentos socioambientais da usina foi apresentado, no mesmo dia em que o Governo Federal anunciou o convênio com o Pará, pelo deputado Danilo Forte (União – CE), mas ainda não foi apreciado pela Câmara.

Publicado por

Pedro Luis Figueiredo

Partner & Investment Analyst at Santa Fé Investimentos