A PANDEMIA, O EFEITO CHICOTE E O AGRO: COMO UM FENÔMENO LOGÍSTICO IMPACTA DIRETAMENTE OS INVESTIMENTOS NO SETOR AGRÍCOLA
A pandemia do COVID-19 é sem dúvida alguma um dos principais fatos históricos ocorridos no início do século XXI. Ela alterou bruscamente o comportamento das pessoas, obrigando ao distanciamento social e remodelando a maneira como diversos negócios são geridos. Atualmente, com a diminuição dos casos e das mortes decorrentes da doença, a economia começa a retornar aos patamares anteriores. No entanto, ao passo que a vida volta a sua rotação normal, as cicatrizes deste período turbulento começam a aparecer e, principalmente, na economia estão localizadas aquelas mais dolorosas.
Dentre os principais fatores que se pode citar sobre os efeitos maléficos da pandemia na economia mundial, neste texto, abordar-se-á o desalinhamento entre oferta e demanda na cadeia logística agroindustrial e como isso impacta diretamente os investidores do setor. Em 1958, o professor e engenheiro americano Jay Forrester apresentou, pela primeira vez, uma análise que, posteriormente, seria conhecida como Efeito Chicote. Esse fenômeno se caracteriza quando há uma discrepância entre a demanda real e a prevista, o que leva a possíveis movimentos de estocagem ou excesso de vendas por parte das empresas. Como consequência de o movimento previsto não ser refletido na realidade, o erro é repassado até o cliente no final da cadeia, caracterizando assim o efeito chicote. Como isso se relaciona com a situação atual do agronegócio?
Durante a pandemia, o que se percebeu foi um movimento abrupto por parte de diversos stakeholders em reduzir a oferta de seus produtos, imaginando que, devido ao lockdown, a demanda decairia de forma exponencial juntamente com a atividade econômica mundial. No entanto, o que de fato ocorreu foi, em um primeiro momento, a retração da demanda, em uma intensidade menor do que a prevista, e uma retomada bastante intensa em termos de volume e velocidade, recuperação em “V”.
Quando trazemos para o ambiente do agronegócio, o que se percebeu foi, primeiramente, um aumento grande da margem do produtor rural, em especial o de soja. O preço dos principais grãos disparou e os custos permaneceram estáveis, assim as empresas agrícolas apresentaram seus melhores balanços na safra 20/21. Porém, a cadeia logística agroindustrial brasileira funciona de forma muito semelhante à empresa de fabricação de aviões Embraer: seus principais insumos são importados, para que em território nacional sejam transformados em produto. Em outras palavras, adubos, agroquímicos e insumos rurais em grande maioria são produtos importados para que nas propriedades agrícolas brasileiras possam compor a atividade produtiva. Portanto, o desalinhamento mundial entre a demanda prevista na pandemia com a realidade atingiu em cheio esta parte da cadeia produtiva.
Para ficar mais claro a linha de raciocínio, toma-se como exemplo o gás natural. A pandemia da COVID-19 levou a uma redução da produção e consequentemente redução dos estoques, no entanto com a retomada da atividade econômica devido à vacinação a demanda voltou a crescer. Desta forma, o preço do gás disparou nas principais praças europeias e os estoques baixaram a níveis críticos. E quais são as principais consequências para o agronegócio?
Do lado da oferta, o gás natural é a matéria prima para a produção da amônia que compõe fertilizantes nitrogenados como a ureia. Portanto, gás natural mais caro reflete em fertilizantes mais caros e uma menor margem para o produtor. Por sua vez na demanda, o gás natural é um dos principais componentes da matriz energética da China, logo com a elevação dos preços o país asiático encontra-se à beira de uma crise energética com algumas províncias ao norte do país já registrando apagões.
Em outras palavras, a desestabilização na cadeia logística do gás natural por um desalinhamento entre a demanda e oferta causada pela pandemia da COVID 19 impacta diretamente na margem do produtor rural tanto na ponta com maiores custos de produção como uma menor demanda por possíveis desacelerações da economia chinesa. Desta forma, é interessante que o investidor se atente aos resultados e estimativas propostas pelas principais produtoras agrícolas listadas, uma vez que a tendência é de compressão das extraordinárias margens apresentadas no último ano.
Imagem 1: Efeito Chicote
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Publicado por Gabriel Diniz Junqueira
Partner & Investment Analyst na Santa Fé Investimentos