A POSSÍVEL VOLTA DO HORÁRIO DE VERÃO: ENTENDA A POLÊMICA

Em meados de setembro, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) entregou ao Ministério de Minas e Energia (MME) um estudo, encomendado pelo próprio ministério, sobre a volta do polêmico horário de verão, recomendando a retomada da medida como uma forma de mitigar os efeitos da crise hídrica enfrentada pelo país neste ano. Segundo o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, “O horário de verão é uma possibilidade real, mas a decisão não está tomada”, e a medida só será adotada se for “imprescindível”. O ministro afirmou já ter apresentado o estudo ao Presidente, a quem cabe a decisão final, e o veredito deve ser anunciado nos próximos dias, antes do segundo turno das eleições municipais.

O conceito de adiantar os relógios em uma hora durante o período do ano em que os dias são mais longos teria sido inicialmente sugerido por ninguém menos que Benjamin Franklin, mas foi adotado pela primeira vez por países europeus para poupar carvão durante a Primeira Guerra Mundial. No Brasil, o horário de verão foi introduzido em 1931, durante o governo de Getúlio Vargas, e foi aplicado de forma intermitente ao longo das décadas até 1985, quando se tornou anual após uma grande seca. Em 2019, no entanto, foi oficialmente extinto no Brasil após estudos indicarem que a economia de energia trazida pela medida não era mais significativa.

Em sua concepção original, o horário de verão baseia-se na premissa de economizar energia por meio do melhor aproveitamento da iluminação natural, já que, durante o verão, os dias têm, naturalmente, mais horas de luz solar: amanhece mais cedo e anoitece mais tarde. Ao adiantarmos os relógios em uma hora, estamos, na prática, postergando o nascer do sol e, mais importante, o pôr do sol. Assim, desloca-se esse período de iluminação natural para o começo da noite, quando uma parcela maior da população está ativa, em detrimento do início da manhã, quando muitos ainda estão dormindo. Outro ponto em que o horário de verão pode gerar economia é no abrandamento do pico de consumo, que costuma ocorrer entre as 18h e as 21h, conhecido como horário de pico ou horário de ponta no jargão do setor, quando o preço da energia aumenta devido à grande demanda, uma vez que algumas indústrias e comércios ainda não encerraram suas atividades, mas grande parte das pessoas já estão em casa e acabam ligando as luzes, tomando banho com chuveiros elétricos, usando eletrodomésticos, entre outros.

Para os defensores da medida, o horário de verão traz outros benefícios além da economia de energia: as horas extras de luz natural no início da noite criam a impressão de dias mais longos, trazem maior segurança no trajeto de volta para casa e são uma oportunidade para frequentar parques e praticar esportes após o trabalho, ou mesmo estender as atividades para um happy hour. De fato, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) estima que o aumento do movimento em bares e restaurantes entre 18h e 21h durante a semana pode gerar um incremento de 10% a 15% no faturamento mensal médio do setor, que ainda estaria lutando para se recuperar das perdas sofridas durante a pandemia. “Entendemos que os brasileiros são beneficiados: em vez de correr para casa, você pode reunir os amigos e tomar um chopp no bar, socializar, praticar esportes e outras atividades de lazer que a iluminação natural permite. Isso proporciona mais segurança e facilita a mobilidade”, afirmou Percival Maricato, diretor institucional da Abrasel-SP.

Se, por um lado, a volta do horário de verão pode beneficiar setores como bares e restaurantes, comércio e turismo, outros devem sofrer com a mudança, sendo o setor aéreo um deles: o adiantamento dos relógios em uma hora afetaria toda a programação atual de voos das companhias aéreas, sobretudo para o exterior, exigindo ajustes nos horários de partida, chegada e conexões, com custos adicionais para realocar equipes e tripulantes. Segundo fontes, o tema já teria sido discutido, em meados deste ano, em reunião da Comissão Nacional de Autoridades Aeroportuárias (Conaero). Representantes do setor afirmaram, após encontro com o Ministro Alexandre Silveira, que seriam necessários pelo menos 45 dias para organizar a transição para o horário de verão, criando um grande desafio logístico.

Os críticos do horário de verão alegam que o Brasil, por se situar majoritariamente na zona tropical do planeta, vivencia, na maior parte de seu território, pouca diferença na duração dos dias durante o verão em relação às outras estações, ao contrário de países situados mais próximos aos polos, onde essa diferença é bem maior. É por este motivo que as regiões Norte e Nordeste historicamente não aderiam ao horário de verão. Além disso, eles argumentam que, com a mudança dos hábitos de consumo de energia da população brasileira e a evolução tecnológica, a economia de energia gerada pelo horário de verão não é mais significativa frente aos transtornos causados à população. Com a substituição das lâmpadas incandescentes pelas modernas e eficientes lâmpadas de LED, o consumo de energia com iluminação despencou, enquanto a popularização dos aparelhos de ar-condicionado, devido em parte às ondas de calor dos últimos anos, gerou uma demanda de energia muito maior. Além disso, pesquisas indicam que, na semana seguinte ao início do horário de verão, há um aumento de acidentes de trânsito e de trabalho, bem como um maior número de casos de doenças cardiovasculares, como infarto e derrame, que estariam ligados à disrupção do sono e do relógio biológico das pessoas. Por fim, é comum encontrar quem não se adapta bem ao adiantamento dos relógios, com muitas pessoas relatando cansaço, fadiga ou até insônia, mesmo dias após a mudança.

Embora seja verdade que o horário de verão tenha perdido boa parte de sua efetividade devido às novas tecnologias e mudanças nos hábitos de consumo de energia, a retomada da medida em 2024 está sendo considerada com base em outra mudança ocorrida no setor elétrico nos últimos anos: o crescimento significativo de fontes intermitentes como a solar e a eólica na matriz energética. Atualmente, o pico de consumo de energia ocorre na parte da tarde, quando o calor leva a um maior acionamento de aparelhos de ar-condicionado. Nesse momento, a geração de energia solar e eólica está em seu auge e consegue suprir parte considerável do consumo. Contudo, a demanda continua alta até por volta das 21h, ainda apresentando um pico entre as 18h e 19h. Nesse momento, a geração solar já não contribui para o suprimento de energia, e a geração eólica também diminui, sendo necessário recorrer a outras fontes. Em um cenário comum, a energia poderia vir das hidrelétricas, de longe a fonte com maior participação na matriz energética nacional. No entanto, com o país passando pela maior seca dos últimos 91 anos, o ONS se vê obrigado a utilizar as caras e poluentes usinas termelétricas para suprir a demanda de ponta e tentar preservar os baixos níveis dos reservatórios das hidrelétricas.

Fonte: MITSIDI.com

Nesse sentido, a possível adoção do horário de verão em 2024 parece menos uma tentativa de diminuir o consumo com iluminação e amenizar a demanda de ponta do final da tarde, como ocorria tradicionalmente, e mais uma tentativa de deslocar a curva de geração para mais tarde, de forma que a geração de energia solar e eólica possa suprir uma parte maior da demanda e, assim, minimizar a necessidade de acionamento das usinas termelétricas. O despacho térmico contraria os interesses do Governo, que tem como bandeiras a descarbonização da economia e a modicidade tarifária e, inclusive, já está pesando no bolso dos consumidores. A partir de outubro, passa a vigorar a bandeira vermelha patamar 2, a mais cara, fato que levou o Ministro de Minas e Energia a encaminhar ofício para a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) solicitando a reavaliação da bandeira e a utilização do saldo da Conta Bandeiras, que reúne o dinheiro extra arrecadado dos consumidores, para atenuar as cobranças adicionais. Adicionalmente, especialistas do setor elétrico apontam que, mesmo que a economia trazida pelo horário de verão atualmente seja pequena, em momentos de crise como o atual, toda e qualquer economia é válida.

Agora, resta aguardar a decisão do governo. Por um lado, a medida é considerada polêmica: divide opiniões entre a população e os especialistas, e pode impactar a avaliação de popularidade do governo, influenciando, consequentemente, o segundo turno das eleições municipais, que ocorrerão no final de outubro. Por outro lado, o governo deve levar em consideração o cenário de escassez hídrica, que vem causando diversos prejuízos tanto no setor elétrico quanto em outros setores. Além disso, a eletricidade é um insumo essencial para a economia, e a utilização da energia mais cara e poluente das termelétricas gera pressões inflacionárias que deterioram ainda mais o já complicado quadro fiscal do país, tendo sido responsável por quase metade da alta do IPCA em setembro, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por fim, o governo deverá pesar os prós e contras do horário de verão, buscando conciliar os diversos setores da economia, favoráveis e contrários à medida, e participar ativamente na busca por soluções para as dificuldades que surgirão, independentemente do caminho escolhido.

Publicado por

Pedro Luis Figueiredo

Partner & Investment Analyst at Santa Fé Investimentos