“CAMINHADA ESG, Nº 2” – O DESAFIO DE SEPARAR O “MODISMO” DA “TOMADA DE CONSCIÊNCIA”
Lembro-me de estar em uma aula do meu mestrado, em 2001, onde os alunos, semanalmente, tinham que ler e comentar textos sugeridos pelo professor. Naquela semana, eu tinha me identificado com um texto que havia sido escrito por um colaborador do Banco Mundial. O texto basicamente trazia a ideia de que o grande motor propulsor do desenvolvimento sustentável seria o setor privado e que sem o envolvimento das empresas, atores já mais engajados no tema, como ONGs & Governos, não fariam ressoar a ideia de Desenvolvimento Sustentável disseminada pelo Relatório Brundtland, em 1987.
Pode parecer uma ideia óbvia nos dias de hoje, mas, naquela época, as discussões sobre os desafios da sustentabilidade circulavam mais entre governos & ONGs do que no setor privado que, em geral, era tratado como vilão. Fui retaliada com respeito pelos meus colegas nas discussões da aula, como se minha mente fosse “muito capitalista”, por acreditar no setor privado. Lembro-me também de ter discutido com meu orientador de mestrado o quanto eu achava equivocada a estratégia de combate ao desmatamento da Amazônia à época, em especial nas regiões de fronteira agrícola. O mote era lutar contra o setor privado ligado à produção primária de maneira geral, independente do quanto algumas empresas operavam na legalidade. A luta era mais contra o setor privado, do que contra a ilegalidade em si. Como consequência, a imensa maioria das empresas dessa região não se engajavam no tema do “desenvolvimento sustentável” e não eram parceiras no combate à ilegalidade – mas viam o tema como uma ameaça vinda da comunidade ambientalista.
Anos mais tarde, em 2006, o jogo virou e o tema da sustentabilidade pareceu ganhar uma aderência impressionante no mundo privado, e também mudou a forma como muitas ONGs se relacionavam com o mesmo. O primeiro marco dessa virada foi o “Relatório Stern”, coordenado por um economista do Banco Mundial, que apontou os possíveis efeitos na economia mundial em decorrência de mudanças climáticas. O segundo, foi o documentário publicado por Al Gore, “A Verdade Inconveniente”. Uma edição inteira da revista Exame foi dedicada ao tema e lembro-me claramente quando alunos do curso de “Negócios & Meio Ambiente” do MBA onde eu lecionava falaram: “Tudo aquilo que você mostra nas aulas está aqui”. Algumas ONGs relevantes começaram a se aproximar do setor privado (aqui destaco o corte para a fronteira agrícola da Amazônia) construindo projetos conjuntos, reconhecendo que para combater o desmatamento seria importante trabalhar de maneira integrada com o setor privado. Foram criados fóruns multi-stakeholders para conduzir empresas às melhores práticas e iniciaram-se os trabalhos para criar cadeias de valor responsáveis. No mesmo momento, foram lançados os “Principles of Responsible Investment (PRI) na Bolsa de Nova York. Em 2006, só se falava em sustentabilidade no mundo empresarial, e só se falava em parceria com empresas, no mundo de muitas ONGs tradicionais.
Há de se reconhecer a imensa contribuição desse novo momento para a divulgação ampla dos conceitos de sustentabilidade, especialmente no mundo privado. Porém, quando se analisava com mais escrutínio as mudanças que ocorriam na prática, era nítido constatar que havia muito “greenwashing” em torno do tema da sustentabilidade empresarial, que havia virado uma espécie de panaceia. Muitas vezes, a sustentabilidade era restrita a um departamento dentro da empresa, com orçamento limitado e com pouca – ou nenhuma – relação com a estratégia do negócio em si. Ficou evidente que muitas empresas mais reagiram à pressão social do que mudaram sua mentalidade empresarial, incorporando de fato a sustentabilidade à estratégia do negócio.
A discussão sobre desenvolvimento sustentável evoluiu e, de uma década para cá, adentrou com muito mais expressão o setor financeiro. Multiplicaram-se as iniciativas de “Investimento de Impacto”, ou “Investimento Socialmente Responsável”, que traziam consigo o anseio de investidores que queriam ver seus recursos aplicados em empresas que gerassem mais do que apenas lucro – mas também contribuíssem positivamente para a sociedade. De uns anos para cá, essa tendência no mercado financeiro ganhou o nome de ESG (Environment, Social and Governance). No Brasil, desde 2020, “só se fala em ESG”.
Percebo esse “boom” do tema ESG no mundo financeiro da mesma forma que a explosão em torno da sustentabilidade em 2006. Por um lado, um sopro de alento para os otimistas como eu, que acreditam no papel dos investidores e das empresas como dínamos para uma sociedade melhor, para além do lucro de suas operações. Há de se reconhecer o valor de se criar estruturas, parâmetros, rankings e scores para orientar os investimentos e a atitude empresarial responsável, dentro do conceito ESG. Por outro lado, como mensurar o âmago da questão, que é saber se há uma real tomada de consciência e uma mudança de mentalidade das empresas às quais estamos atribuindo boas notas de “ESG”?
Existem diversos entraves para investidores e empresas assimilarem uma nova mentalidade associada à ideia de ESG. Há muita coisa superada que se nutre desse espaço. Ideias, valores e convicções. E a principal delas é o entendimento dos fatores determinantes da prosperidade e do desenvolvimento, como resultado direto do crescimento econômico. Sem que esse entendimento – que está enraizado na sociedade há séculos, seja reprocessado de forma a compreender as empresas como parte de um ecossistema complexo que envolve também o ambiente social e o ambiente natural, interdependentes, o comportamento egoísta, que visa apenas o lucro, continuará sendo preponderante. Como evitar que haja, no movimento ESG, um “greenwashing” como ocorreu no boom da sustentabilidade? O grupo crescente de investidores que procuram empresas com bons scores de ESG querem ver seus recursos nutrindo uma nova mentalidade empresarial, e não apenas vitrines. Como garantir que nossas análises indiquem investimentos que materializem, de fato, as expectativas desses investidores?
Criar critérios ESG baseado apenas nos relatórios voluntários das empresas traz o risco de revivermos esse “greenwashing” em torno do tema. Será necessário fazer perguntas que não podem ser respondidas pelos relatórios, tais como: Como a empresa trata seus fornecedores? Tem uma relação justa com os mesmos? Atrasa pagamentos? Trata bem seus funcionários? Tem um bom ambiente interno de trabalho? Tem muitas reclamações em sites de agências reguladoras ou de consumidores? Deixa o cliente uma hora esperando musiquinha para ser atendido? Dentre tantas outras….
O desafio do boom ESG é capturar se há uma mudança de mentalidade empresarial nas empresas melhor pontuadas. Como segmentar a empresa que adota práticas responsáveis por convicção, daquelas que adotam apenas por pressão social e, portanto, na ausência de pressão voltariam às práticas tradicionais, pois sua mentalidade continua a mesma?
É claro que a mudança das práticas e processos é sempre gradual, e mesmo as empresas que estão convictas da necessidade de adotar novas formas de produzir, podem levar tempo para atingirem o patamar das melhores práticas. A questão é ter em mente, nessa “Caminhada ESG”, que apenas criando parâmetros ESG que reflitam a Tomada de Consciência, poderemos ter certeza de que não estaremos frente a mais um modismo, como foi a sustentabilidade empresarial em seus primórdios.
Nos próximos meses, seguiremos compartilhando com vocês o passo-a-passo, as conquistas e os desafios da nossa “Caminhada ESG” na Santa Fé Investimentos.