“CAMINHADA ESG, Nº 4” – PRODUZIR CONSERVANDO, CONSERVAR PRODUZINDO

Jorge Ben Jor dizia que o Brasil é um país “… abençoado por Deus, e bonito por natureza”. E ele estava certo. Entre tantas outras, duas de nossas maiores riquezas são invejáveis: nossa rica biodiversidade e o nosso enorme potencial produtivo. 

De um lado, o Brasil abriga a maior biodiversidade do planeta e é uma potência ecológica. Cerca de 20% do número total de espécies da terra se encontra em nosso território. Abrigamos a maior floresta tropical do mundo, essencial para o equilíbrio climático, e possuímos outros biomas considerados hotspots globais de biodiversidade, como o Cerrado, que contém cerca de 1,5% de todas as espécies de plantas catalogadas em toda terra.  O país abriga também uma rica sociobiodiversidade, representada por mais de 200 povos indígenas e por diversas comunidades – como quilombolas, caiçaras e seringueiros, para citar alguns – que reúnem um inestimável acervo de conhecimentos tradicionais sobre a conservação da biodiversidade.

Do outro lado, o Brasil é uma das maiores potências agrícola do mundo. Responde por 50% do mercado de soja e alcançou, em 2020, o posto de segundo exportador de milho, depois dos EUA. Também se consolidou nos últimos anos, como o maior produtor de açúcar e café. De 2011 a 2020, o valor de exportações do agronegócio foi próximo a 1 trilhão de dólares e a balança comercial do setor chega a 800 bilhões de dólares. O esperado para 2021 é que o Produto Agrícola Bruto (VBP) atinja a marca recorde de mais de 1 trilhão de reais. O agronegócio cria milhões de empregos e, segundo a ONU e a OCDE, caberá ao Brasil contribuir com 40% do aumento da oferta de alimentos prevista para acolher os 9,5 bilhões de cidadãos que seremos em 2050, bem como o aumento do consumo de proteínas causado pelo enriquecimento da população, em especial da China. 

Essas duas “Bênçãos Brasileiras” entraram em rota de colisão a partir da década de 70, com o avanço desordenado da ocupação na Amazônia Legal[1] em áreas públicas e privadas e com a expansão da fronteira agrícola e, anos mais tarde, na Amazônia Legal e na região do cerrado no MAPITOBA (sigla que congrega os estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia). Entre os anos de 2001 e 2012, a animosidade entre ambientalistas e ruralistas era intensa. A edição da MP 2166/2001, em reação ao avanço das fronteiras sem qualquer preocupação com a biodiversidade, alterou o percentual exigido de Reserva Legal, no interior das propriedades rurais, gerando grande reação da classe produtiva. Foram anos de desavenças, seguidos de debates e composições, até que o Novo Código Florestal foi aprovado em 2012, sacramentando a sinalização de que estas duas riquezas singulares do Brasil deveriam caminhar lado-a-lado: produzir alimentos e conservar a sociobiodiversidade.

O Código Florestal aprovado em 2012 é um dos mais rígidos do mundo. Impõe restrições ao uso de parte das propriedades rurais por meio da obrigatoriedade da manutenção das Reservas Legais e APPs (Areas de Preservação Permanente), fundamentais para a manutenção da nossa biodiversidade e para o combate às mudanças climáticas. No bioma florestal da Amazônia, por exemplo, essa restrição chega a 80% da propriedade. 

Em um grande paradoxo, nossa vegetação nativa, nossa biodiversidade e nosso Código Florestal, ao invés de serem uma vantagem nas negociações internacionais, vêm reduzindo a competitividade dos produtos do agronegócio brasileiro, em função do risco de novos desmatamentos praticados por atores que não cumprem o Código Florestal. De certo, tais atores não são os representantes do Agronegócio moderno, que já entendeu há anos que o único caminho para colhermos o que merecemos por termos duas riquezas tão expressivas é criar real valor à biodiversidade e produzir corretamente, mantendo nossa rica biodiversidade. Resta segmentar o joio do trigo, enaltecer, dar luz e valorizar aquele produtor que produz corretamente daqueles que insistem em trabalhar em desalinhamento. Valorizar o ativo ambiental como estratégia de produção é o caminho do agronegócio moderno. Produzir Conservando. A Lei 5028/2021, que regulamenta o “Pagamento por Serviços Ambientais”, abre o espaço necessário para corrigir a falha de mercado onde o produtor que respeita do Código Florestal ainda paga sozinho os custos da conservação privada, que deveria ser repartido. 

O mesmo raciocínio deve se aplicar às áreas que devem ser conservadas em todo país, incluindo aí as áreas públicas, onde ainda vemos índices considerados de supressão florestal desordenada.  Está cada vez mais evidente que somente seremos capazes de manter a biodiversidade brasileira em todos seus biomas, se criarmos valor real para os produtos da biodiversidade, ou intensificando o que chamamos de “bioeconomia”. 

O único caminho para o Brasil é Produzir Conservando, e Conservar Produzindo. Essa 3ª via, onde a dicotomia entre produzir e conservar se torna ilusória, é a única forma possível para o Brasil se posicionar com destaque no mercado global, honrar as bênçãos  que Jorge Ben enaltece em sua composição, e mostrar ao mundo que somos, de fato “gigante pela própria natureza”. 

Publicado por Ana Luisa Da Riva

Partner & Chief Sustainability Officer na Santa Fé Investimentos


[1] A Amazônia Legal abrange 59% do território brasileiro, e é distribuída por 9 estados.