CARROS ELÉTRICOS: FUTURO OU REALIDADE? SETOR DE BENS DE CAPITAL
As tendências mundiais voltadas para o consumo consciente dos recursos naturais e a busca por fontes de energias renováveis aceleraram o desenvolvimento de veículos elétricos no mundo todo nos últimos anos. Muitos países reforçaram seu posicionamento na diminuição de emissões de gases poluentes, com taxação sobre combustíveis fósseis e incentivando o mercado de automóveis movidos a eletricidade. Buscando se adequar ao novo padrão mundial, as montadoras têm voltado suas linhas de produção para essas iniciativas e estipulando metas de redução das emissões de CO2 em seus produtos.
Dentre as 20 maiores fabricantes de automóveis (OEM – Original Equipment Manufacturer) em 2020, 18 anunciaram planos para impulsionar a produção dos modelos elétricos disponíveis. Algumas ainda foram mais ousadas, por exemplo: a partir de 2030, a Volvo só irá vender carros elétricos; a Ford, na Europa, estipulou que terá somente carros elétricos em produção a partir de 2030. Já a Volkswagen, também espera atingir metas de produção desse tipo de veículos na Europa, China e no Estados Unidos.
Os veículos elétricos podem ser divididos em alguns grupos, sendo alguns deles:
- Veículos elétricos de bateria (EVs ou BEVs – Battery Electric Vehicles): são alimentados exclusivamente por baterias recarregáveis. Utilizam um motor elétrico para movimentar o automóvel e produzem zero emissão de carbono.
- Veículos elétricos híbridos (HEVs – Hybrid Electric Vehicles): dois tipos de motor estão presentes, um a combustão (geralmente de maior potência) e outro (ou outros) elétricos funcionando de maneira escalonada.
- Veículos elétricos híbridos recarregáveis (PHEVs – Plug-in Hybrid Electric Vehicles): também possuem dois tipos de motores e combinam a versatilidade de um EV com um HEV. Os motores podem funcionar de maneira alternada ou combinada, além da possibilidade de serem conectados na tomada para serem recarregados.
- Veículos elétricos movidos por célula de combustível (PHEV – “Fuel Cell Electric Vehicles): o carro utiliza hidrogênio líquido pressurizado que quando combinado ao ar gera eletricidade necessária para mover o motor elétrico. São comuns nos EUA e Japão.
Podendo ser de 2 a 4 vezes mais eficientes que os veículos convencionais movidos a motores de combustão interna, esses automóveis reduzem a dependência de combustíveis à base de petróleo e são capazes de promover uma significativa redução na emissão de gases de efeito estufa.
Em 2020 existiam cerca de 370 modelos de carros elétricos no mundo, sendo a China o país que possuía o maior portfólio, reflexo de uma indústria pulverizada e por possuir a maior demanda de EVs do mundo. Dentre os modelos existentes, os BEVs são os mais oferecidos, enquanto que os PHEVs estão mais frequentes em carros maiores. Modelos SUVs representam metade em todos os mercados e são os que possuem maior diversidade de modelos.
Ao final de 2020, havia 10 milhões de veículos elétricos nas ruas, espalhados pelo mundo. Apesar da queda de 16% na venda de veículos por conta da pandemia no último ano, os registros de carros elétricos aumentaram 41%. A resiliência das vendas de veículos elétricos baseia-se em três pilares segundo a Organização Internacional de Energia (IEA):
- Estrutura regulatória: vários países adotando metas de emissão e banindo o uso de veículos convencionais;
- Incentivos fiscais e subsídios;
- Mais modelos disponíveis e queda no preço de baterias.
No primeiro semestre deste ano, a tendência de crescimento do número de veículos elétricos em circulação vista nos últimos anos continuou. As vendas cresceram 140% quando comparadas ao mesmo período de 2020, sendo os maiores mercados a China, a Europa e os Estados Unidos. Dentre os dois cenários que a IEA estabelece, o mais conservador diz que em 2030 a frota de veículos elétricos no mundo será de 145 milhões ou 7% da frota em circulação, e, em um cenário onde os governos acelerem esforços para o desenvolvimento dos EVs, a frota pode chegar a 230 milhões ou 12% da frota (contando apenas os veículos de 4 rodas).
Para impulsionar as vendas de veículos elétricos, além de modelos mais acessíveis e eficientes, também são necessários avanços na geração de energia elétrica limpa (para que a pegada de carbono dos EVs seja verdadeiramente neutra), integração dos veículos em sistemas de potência, construção de uma malha de sistemas de recarga, e desenvolvimentos de baterias mais sustentáveis e recicláveis. Para isso, algumas organizações e fóruns mundiais foram criados com o intuito de espalhar boas práticas e ajudar no desenvolvimento da eletromobilidade em países de média e baixa renda.
Uma das principais preocupações envolvendo o desenvolvimento de uma infraestrutura que suporte a maior penetração de carros elétricos em circulação está na disponibilidade de pontos de recarga. A sua disponibilização, principalmente quando o veículo elétrico necessita percorrer longas distâncias, acaba sendo um impeditivo nas vendas dos automóveis em países onde essa infraestrutura ainda não é tão desenvolvida.
A Inglaterra, por exemplo, está estudando uma legislação a ser implementada em 2022 que exigiria a instalação de carregadores “smart” – que não causam sobrecarga na rede – em novas construções residenciais e comerciais. A lei ainda obrigaria a instalação desses dispositivos em estacionamentos residenciais que passarem por reformas e nos quarteirões de ruas comerciais. A campanha do governo Inglês baseia-se justamente na pouca disponibilidade de pontos de recarga para automóveis que o país possui, a qual configura-se como um dos maiores desafios para incentivar a venda de carros elétricos e alcançar o plano eliminação de vendas de carros a combustão no país até 2030.
Segundo a consultoria PWC, esses carregadores são categorizados em 4 níveis de acordo com a capacidade de fornecimento de energia para a bateria do veículo. São eles:
A compra de um carro elétrico também pode estar atrelada a outros gastos. O proprietário pode optar por instalar uma tomada/carregador em casa, e por muitas vezes, torna-se necessária uma melhoria na rede elétrica e outras reformas de suporte. Para que os custos sejam cada vez mais acessíveis, os principais stakeholders para o desenvolvimento dessa “malha elétrica” (montadoras de veículos, fornecedores de carregadores e governos) devem continuar em busca de expandir a produção atual, desenvolver novas tecnologias e ampliar a infraestrutura existente.
Um player brasileiro que se beneficia da tendência de eletrificação mundial é a WEG. A empresa já firmou algumas parcerias para ser a provedora de infraestrutura de recargas para veículos elétricos e também fabrica equipamentos para a geração, distribuição e transmissão elétrica em todo o mundo, com foco em energia limpa. Adicionalmente, a empresa está desenvolvendo powertrains elétricos (motor elétrico de tração mais o inversor de frequência) para caminhões leves (e, em breve, para ônibus), já comercializa estações de recarga comerciais e residenciais, e também possui um portfólio de produtos envolvidos de forma direta ou indireta em redes elétricas.
No Brasil, uma série de forças locais influenciam a evolução da frota de EVs. Segundo a consultoria BCG, além da necessidade de incentivos governamentais, a paridade de custos entre veículos elétricos e os movidos a motores de combustão interna possui uma diferença relevante, que é menor em países estrangeiros. Nesses locais, o custo de aquisição, o custo do combustível e o perfil de uso da população são diferentes dos encontrados no Brasil. Além disso, a frota brasileira possui um grande share de veículos de baixo valor agregado que, devido à baixa margem financeira de produção, impossibilita potenciais investimentos para eletrificação. Por fim, para alavancar a produção local de EVs, o país necessitaria de um alto investimento.
A iniciativa privada tem realizado alguns movimentos interessantes que auxiliam na popularização de automóveis elétricos, tornando-os mais comuns no dia a dia dos brasileiros. A Ambev tem uma parceria com a WEG e a MAN Volkswagen além de um pedido de 1.000 caminhões elétricos com a FNM para reforçar sua frota. Outras empresas também já possuem uma frota de veículos elétricos no Brasil, como por exemplo, o Ifood, a Via (antiga Via Varejo), o Mercado Livre, a FEMSA, dentre outros.
Do lado de infraestrutura, a EDP Brasil está implementando uma rede de recarga ultrarrápida que cobre todo o estado de São Paulo, em parceria com o grupo Volkswagen, o Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), e as fornecedoras ABB, Electric Mobility Brasil e Siemens. Da mesma forma, a BMW Brasil, em parceria com a UFSC e os grupos Solví e Energy Source, desenvolveu uma estação de abastecimento desconectada da rede pública de energia.
Apesar do atraso na eletrificação da malha rodoviária, o Brasil está posicionado um passo à frente de diversos outros países na emissão de gases de efeito estufa (GEE) provenientes de automóveis. A produção local em larga escala de biocombustíveis, como o etanol, e a alta penetração de veículos movidos a esse combustível, representam uma alternativa “verde” para o posicionamento do país na redução de sua emissão de carbono. Contribui com essa tendência a ampla oferta de veículos Flex e a competitividade do preço do etanol vis-à-vis a gasolina.
As mudanças climáticas trouxeram uma série de desafios para o setor automotivo, tornando a eletrificação de automóveis e a geração de energia por fontes renováveis uma necessidade da população mundial. Em regiões mais desenvolvidas, como China, Europa, e Estados Unidos, o número de veículos elétricos em circulação será relevante ainda nessa década, enquanto que, no Brasil, ainda há um longo caminho de desenvolvimento econômico, social e de infraestrutura a se trilhar. Apesar disso, iniciativas verdes, como a dos biocombustíveis, já possuem contribuição importante na descarbornização das frotas brasileiras.
Publicado por Leonardo Teixeira Borsato
Investment Analyst na Santa Fé Investimentos