CRISE HÍDRICA
No decorrer de 2021, ficou evidente a correlação entre as condições hidrológicas do país com o preço da energia elétrica brasileira. Atualmente, a matriz elétrica nacional é majoritariamente composta pela geração hidráulica. Em períodos de estiagem, prejudicando os níveis dos rios e reservatórios, a operação das usinas hidrelétricas é interrompida e as usinas termoelétricas são acionadas para suprir o déficit de geração de energia hidráulica e a necessidade do consumidor brasileiro. Esse efeito provoca uma distorção nos preços da cadeia que é repassada ao consumidor final.
A falta de chuvas no ano passado deu-se pelo fenômeno climático chamado La Niña. Esse fenômeno é causado pelas baixas temperaturas nas águas do Oceano Pacifico, afetando as massas de ar. No Brasil, a repercussão desse fenômeno foi uma grande seca ocasionada, principalmente, no Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país. Com isso, a falta de chuvas levou os níveis dos reservatórios a patamares alarmantes. Veja-se no gráfico abaixo.
O baixo volume de água impossibilitou a continuidade da geração hidráulica de forma sustentável, fazendo com que o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) precisasse acionar as usinas térmicas para compensar a interrupção de geração de energia nas hidrelétricas.
As termelétricas geram energia elétrica a partir da queima de diesel, gás natural ou carvão. Além de serem mais poluentes, a operação dessas usinas é significativamente mais cara do que as usinas hidrelétricas, elevando o custo por megawatt-hora produzido. Em 2021 foi necessário despachar todas as usinas térmicas para que não houvesse apagões. Pelo fato dessas usinas permanecerem inativas por um longo período de tempo, a eficiência na geração foi prejudicada, causando um custo variável unitário (CVU) ainda maior. Dessas usinas, as menos eficientes registram CVU’s acima de R$ 2.000/MWh podendo ser até 10 vezes mais caras do que as hidrelétricas, que apresentam, em média, custo de geração de R$ 200/MWh.
Tal aumento no custo de geração impacta tanto as empresas de geração, que possuem um portfólio com usinas hidrelétricas contratadas, como também as distribuidoras. O impacto nas geradoras se dá pela necessidade de cumprir compromissos com a entrega de energia contratada sem ter, efetivamente, o produto para ser entregue. Dessa forma, a geradora necessita recorrer à compra de terceiros, no mercado spot (cujo preço unitário do megawatt-hora é elevado), criando uma pressão de custo. Para entender o impacto nas distribuidoras é necessário entender que a conta de luz é composta pela Parcela A, que se refere aos custos de geração, e pela Parcela B, que se refere aos custos de distribuição. Portanto, no caso de as bandeiras não suportarem os aumentos de custos, as distribuidoras precisam arcar com esse déficit até que seja repassado ao consumidor.
As bandeiras tarifárias, por sua vez, foram criadas para sinalizar o momento dos custos variáveis da geração de energia e quanto será repassado ao consumidor. Os níveis das bandeiras são verde, amarela e vermelha, sendo que a vermelha possuí o patamar 1 e 2. A bandeira verde indica condições favoráveis de geração, portanto a conta de energia não é acrescida de custos adicionais. Já a bandeira amarela serve como um sinal de alerta e adiciona R$ 1,87 por 100 kWh consumido. Os patamares 1 e 2 da bandeira vermelha adicionam respectivamente, R$ 3,97 e R$ 9,49 a cada 100 kWh consumido.
Em adição às bandeiras tradicionais, a Aneel anunciou, em agosto de 2021, uma nova bandeira, a de escassez hídrica. Essa bandeira adiciona um valor R$ 14,20 a cada 100 kWh, 50% mais cara do que a bandeira vermelha patamar 2.
O aumento na conta de luz do consumidor impactou negativamente a inflação desse período. Apesar do IPCA ser composto por centenas de itens, a energia elétrica é um dos mais relevantes e possui um peso de 5% no índice. Assim, uma parte da alta inflação do ano passado pode ser explicada pelo aumento nas tarifas elétricas.
Desde o final do ano passado, o panorama mudou por conta da melhora nas condições hidrológicas. Nos meses de novembro, dezembro e janeiro os níveis de precipitação foram muito superiores à expectativa, fazendo com que os níveis dos reservatórios se recuperassem e voltassem a patamares confortáveis, conforme pode ser observado no gráfico abaixo. Consequentemente, a geração nas usinas hidrelétrica foi retomada e as térmicas, por sua vez, tiveram a sua geração reduzida. Na última semana, o ONS decidiu suspender toda geração das usinas a diesel, por conta da alta do petróleo decorrente do agravamento da guerra na Ucrânia.
Entretanto, apesar da melhora das condições hidrológicas, a bandeira de escassez hídrica ainda deve perdurar até o final de abril conforme foi planejado na sua instauração. O motivo se deve pelo fato dos custos de geração das térmicas ainda não terem sido compensados pelo valor arrecado via tarifas. A chamada conta das bandeiras ainda possui um déficit a ser coberto que deverá ser repassado aos consumidores em algum momento.
Na semana passada, a Aneel aprovou o empréstimo às distribuidoras no valor de R$ 5,3 bilhões, com a possibilidade de ter uma segunda tranche que passará por consulta pública, no valor de R$ 5,2 bilhões. Esse empréstimo ajudará as distribuidoras a cobrir o saldo das contas das Bandeiras, as importações de energia no período e o bônus para consumidores que cumpriram o programa de redução voluntária de consumo. Esse mecanismo financeiro evitará um grande aumento tarifário neste ano. Entretanto, será criado um subsidio a ser pago pelo consumidor a partir de 2023, ao longo de quatro anos, fazendo com que as contas de energia tenham um aumento gradual.
Por fim, o cenário para o restante do ano parece ser positivo. Os níveis dos reservatórios devem ficar na faixa de 50% a 60% da capacidade, segundo as estimativas da CCEE. Com isso, as empresas expostas à geração hidraulica não devem ter problemas para honrarem seus contratos e não precisarão recorrer ao mercado spot. Para as distribuidoras a conjuntura é semelhante. Em maio, a bandeira tarifária deve voltar ao nível verde, possibilitando assim um aumento nos volumes consumidos pela população e uma diminuição da inadimplência. Em adição, o empréstimo aprovado alivia o fluxo de caixa das distribuidoras que vão poder repassar os custos em um prazo mais alongado.
Publicado por
Pedro
Suarez
Partner & Investment
Analyst at Santa Fé Investimentos