EL NIÑO, ONDAS DE CALOR E A CONTA DE LUZ
Após um período úmido (no jargão do setor, de dezembro a abril, quando há maior incidência de chuvas no país) com temperaturas mais brandas e chuvas acima da média, e com os reservatórios do Sistema Interligado Nacional (SIN) em níveis bastante confortáveis, no início de junho de 2023, a Agência Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos (NOAA) declarou que as condições para a formação do fenômeno climático El Niño estavam oficialmente confirmadas, faltando apenas confirmar a intensidade do evento, com aproximadamente 84% de chance de ser um evento, pelo menos, moderado, 56% de chance de evoluir para um evento forte, em seu pico, e sem descartar a possibilidade de um Super El Ninõ.
O El Niño é considerado a fase positiva de um fenômeno mais amplo chamado El Niño Oscilação Sul (ENOS em português ou ENSO em inglês), sendo o La Niña a fase negativa desse fenômeno, e é caracterizado pelo aquecimento das águas do Oceano Pacífico acima da média, e causa calor reforçado no verão e inverno menos rigoroso. Ele dificulta o avanço de frentes frias no território continental da América do Sul, tornando o ar mais seco e dificultando a formação de chuvas na região equatorial (norte e nordeste do Brasil), sendo também associado à seca nessa região, enquanto na parte Sul do continente, acarreta em chuvas acima da média e a formação de fortes tempestades.
Em novembro, apenas 5 meses após a confirmação do fenômeno, seus efeitos já puderam ser sentidos: secas históricas na região Norte levaram o rio Negro ao menor nível desde que a medição teve início, em 1902, e as usinas hidrelétricas (UHE) da região ficaram com sua capacidade de geração prejudicada devido à baixa vazão dos rios, sendo que a UHE de Santo Antônio, localizada em Rondônia e uma das 5 maiores do país, teve que paralisar momentaneamente sua geração em meados de outubro. Chuvas e tempestades subtropicais causaram enchentes e destruição nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, deixando mortos, desabrigados e prejuízos bilionários. Em São Paulo, maior cidade do país, um temporal causou enchentes, queda de árvores e destruição de infraestrutura da rede elétrica, deixando milhões de residentes sem eletricidade por diversos dias. Além disso, fortes ondas de calor puderam ser sentidas em todo o país, levando a recordes de consumo de energia, e sendo necessário o acionamento de usinas termelétricas (UTE) em todo o território nacional para suprir os picos de consumo, mesmo com os reservatórios do SIN em níveis considerados elevados para o período. Esta foi a primeira vez, na história recente, em que as termelétricas foram utilizadas desta forma, para suprir picos de consumo, ao invés de seu uso tradicional de preservar os níveis dos reservatórios das hidrelétricas em momentos de escassez hídrica.
De acordo com o relatório publicado no dia 9 de novembro pelo International Research Institute for Climate and Society (instituto Internacional para Pesquisa de Clima e Sociedade, em tradução livre) da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, as condições no oceano pacífico parecem ter atingido um platô no patamar de um El Niño moderado, e devem persistir até pelo menos o início do segundo trimestre de 2024, ou seja, até o início do outono e do período seco no Brasil. Isso significa um verão mais quente, com as temperaturas médias no período podendo ficar até 2ºC acima da média histórica, em quase todo o país, e com volume de chuvas (ou Energia Natural Afluente – ENA, no jargão do setor elétrico) abaixo da média no Norte e Nordeste e acima da média no Sul e Sudeste.
Este cenário de eventos climáticos extremos como secas, tempestades e enchentes deve se tornar cada vez mais comum devido às mudanças climáticas, representa novos desafios para a matriz energética brasileira e deve ser incorporado aos novos projetos de infraestrutura de transmissão e distribuição de eletricidade. Endereçando essas perspectivas mais pessimistas, o setor elétrico deverá adotar medidas “fora da caixa” para conseguir se adaptar. Um dos primeiros pontos a serem discutidos é a intermitência das fontes solar e eólica, fontes limpas e renováveis que cresceram explosivamente nos últimos anos (e devem continuar crescendo em ritmo acelerado). Essa energia é uma adição importante à matriz energética, contudo, traz consigo peculiaridades para as quais o sistema atual não foi desenhado para lidar e não traz segurança energética para o país, elas são chamadas “não-despacháveis” pois sua geração depende da natureza e não pode ser “acionada” quando necessário, diferentemente das fontes hidráulica e térmica. Picos de consumo de eletricidade, como durante ondas de calor ou em situações específicas (como em regiões turísticas durante a alta temporada) também colocam um grande estresse na infraestrutura elétrica.
Algumas ideias que podem mitigar esses problemas incluem a instalação de sistemas de baterias e armazenamento de energia e termelétricas de baixo carbono, que queimam combustível renovável ao invés de fóssil. Em um projeto pioneiro instalado em Registro (SP), a empresa ISA Cteep (TRPL4) adicionou à rede um sistema com baterias em larga escala que atuará nos picos de consumo de energia no litoral paulista durante o verão, despejando potência extra ao sistema e evitando a interrupção no fornecimento de energia. Segundo informou à Reuters um secretário do Ministério de Minas e Energia, o Governo Brasileiro planeja incluir projetos de baterias e outras soluções de armazenamento de energia, associadas à geração renovável, nos próximos leilões previstos para 2024, especialmente na região Norte, onde boa parte da energia distribuída aos consumidores é proveniente de geradores a diesel, caros e poluentes.
Outra solução que parece estar ganhando tração no Brasil são os combustíveis de baixo carbono, como o Hidrogênio Verde e o Biometano. O congresso está correndo para tentar aprovar ainda em 2023 legislação que dará a segurança jurídica necessária para viabilizar e incentivar os investimentos nessas áreas. O Hidrogênio Verde (H2V), produzido a partir da eletrólise da água utilizando-se energia renovável, é considerado um “combustível do futuro”. Sua molécula é extremamente leve, densa em energia e não contém carbono, portanto não emite CO2 quando queimada. No dia 20 de novembro, a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, confirmou o aporte de 2 bilhões de euros para projetos de H2V no Brasil, um importante passo para o crescimento desse combustível no país. Já o biometano é obtido através da purificação de biogás, um subproduto da decomposição anaeróbica de matéria orgânica, que por sua vez pode vir do lixo, esgoto urbano, resíduos agrícolas e da pecuária ou suinocultura entre outras. Como é obtido da decomposição de resíduos, é considerado um combustível renovável e seu processo produtivo gera, além do gás, biofertilizante, que por sua vez pode substituir os caros fertilizantes minerais importados. O biometano pode substituir o gás natural derivado do petróleo em praticamente todas as suas aplicações, desde sua queima para geração de eletricidade em termelétricas a abastecimento de veículos e residências. O Brasil, com sua grande Indústria Agropecuária, é considerado um dos países com maior potencial de produção desse combustível.
Neste cenário desafiador, o consumidor pode esperar uma conta de energia mais alta no final do mês: especialistas estimam que o custo da energia de novembro de 2023 será pelo menos 5% superior quando comparado a novembro de 2022. Isso porque a energia térmica, além de mais poluente que a hidráulica, solar e eólica, é mais cara e ainda contribui com o agravamento da situação climática. Além disso, o maior consumo de eletricidade faz com que o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD – o preço no mercado à vista) oscile durante o dia, podendo até triplicar durante as primeiras horas da noite quando não há geração solar. Outro ponto que encarece a conta do consumidor é a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que deve subir 6,8% em 2024 em comparação a 2023, e é custeada pelos consumidores por meio de tarifas. O prêmio de consolação do consumidor é que, por ora, a Agência Nacional da Energia Elétrica, ANEEL, anunciou que a bandeira tarifária deve permanecer verde pelos próximos meses.
Publicado por
Pedro Luis Figueiredo
Partner & Investment Analyst at Santa Fé Investimentos