O saneamento é um direito humano básico. No entanto, segundo o Diagnóstico Temático 2022 do SNIS – Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento, cerca de 45% da população brasileira não tem acesso ao serviço de esgoto e 15% à água. Esta falta de acesso resulta em poluição das águas e problemas de saúde pública, especialmente em comunidades de baixa renda. Além disso, segundo o Instituto Trata Brasil, somente cerca de 50% do esgoto no país é tratado, o que significa que mais de 5,3 mil piscinas olímpicas de esgoto in natura são despejadas diariamente na natureza.
Em entrevista ao Jornal Metrópoles, o economista e ex-presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros, compara a situação do saneamento e da telefonia no Brasil, cujos índices de acesso da população, à época, se equiparavam: a desestatização, a criação da agência reguladora, a aprovação da Lei Geral de Telecomunicações (Lei Nº 9.472, de julho de 1997) entre outras reformas ocorridas no setor durante a década de 90 foram fundamentais para os avanços que hoje podem ser percebidos: praticamente 100% da população tem acesso à telefonia e 90% dos domicílios brasileiros estão conectados à internet, de acordo com dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
É nesse contexto que entra o Novo Marco Legal do Saneamento, aprovado em 2020 na forma da Lei 14.026, que busca estabelecer as premissas para a universalização dos serviços de saneamento com bases semelhantes às utilizadas no caso da telefonia. Na avaliação da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon/Sindcon), a lei estabelece três pilares principais: regulação adequada, maior competição e geração de ganhos de escala aprimorada na prestação dos serviços.
Nos últimos meses, contudo, o mercado foi bombardeado com diferentes notícias que balançaram o setor e trouxeram a tão temida Incerteza aos investidores: A intenção do novo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), de privatizar a Sabesp – Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, possivelmente nos moldes da privatização da Eletrobrás, foi em boa parte eclipsada pela transferência da Agência Nacional de Águas (ANA) do Ministério de Desenvolvimento Regional para o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Segundo avaliação de fontes ouvidas pelo Jornal Valor Econômico, o MMA não teria a experiência necessária para lidar com concessões e Parcerias Público Privadas, modelo em expansão no setor.
Os principais temores das empresas privadas de Saneamento derivam, na verdade, da manutenção ou não da ANA como Agência Reguladora do setor (o equivalente à ANATEL, mantendo-se a comparação com o setor de telefonia). A Lei 14.026/2020 atribuiu à ANA esse papel, um grande avanço na visão das empresas, por proporcionar maior segurança Jurídica. Parte da equipe de transição do governo, entretanto, vinha defendendo a mudança da responsabilidade pela edição de normas de referência para saneamento básico para a pasta de Cidades. Curiosamente, a MP de criação do Ministério das Cidades também manteve alguns artigos da Lei 14.026 que atribuem à ANA o papel de reguladora, o que criaria, assim, uma espécie de “dupla regulamentação”.
Enquanto perdurarem essas incertezas políticas, quem mais se prejudica são as comunidades carentes, que vão continuar sem ter acesso à água e esgoto; e a Natureza, que continua sendo poluída com esgoto cru vertendo em nossos rios e mares. Em cenários de incerteza, as torneiras do investimento ficam secas como as dessas comunidades – com o perdão da analogia. O Novo Marco Legal do saneamento é uma iniciativa importante para ampliar o acesso a serviços de saneamento no Brasil e melhorar a vida da população. Além disso, é uma oportunidade para que as concessionárias privadas de saneamento possam contribuir para o desenvolvimento do país, oferecendo serviços de qualidade e acessíveis à população. Ainda há muito a ser feito, mas essa lei é um passo na direção certa para garantir um futuro mais saudável e sustentável para todos.
Fontes:
Entrevista de Luiz Carlos de Mendonça de barros:
https://www.metropoles.com/negocios/governo-caminha-para-um-conflito-com-o-bc-diz-mendonca-de-barros
Reportagem que cita os dados do instituto Trata Brasil:
Imagens retiradas do relatório “Diagnóstico Temático Serviços de água e esgoto” disponível em:
https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/saneamento/snis/produtos-do-snis/diagnosticos
Dados do IBGE sobre acesso a internet no brasil:
íntegra da Lei 14.026/2020 – o Novo Marco do Saneamento Básico disponível em:
https://normas.leg.br/?urn=urn:lex:br:federal:lei:2020-07-15;14026
Matéria sobre mudança da Agência Nacional de Águas:
Publicado por
Pedro Luis Figueiredo
Partner & Investment Analyst at Santa Fé Investimentos