O FUTURO DA FROTA BRASILEIRA
Recentemente, o Brasil tem testemunhado um importante movimento de entrada de carros elétricos. O que começou como uma tendência tímida está se transformando em uma participação mais relevante, impulsionada em grande parte pelos fabricantes chineses. Enquanto o mundo volta sua atenção para a sustentabilidade e redução das emissões de carbono, o Brasil emerge como um mercado cada vez mais receptivo aos veículos elétricos. Neste breve artigo iremos abordar sobre esse tema juntamente com suas oportunidades e desafios.
Os números de venda e licenciamento de carros elétricos e híbridos têm crescido de forma exponencial nos últimos anos. A estimativa da ANFAVEA (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) é de atingir os 142 mil veículos neste ano, conforme observado na Figura 1. Uma parte desse movimento de alta no ano passado foi relacionado a antecipação da volta do imposto de importação sobre esses veículos, que voltaram a incidir a partir de janeiro/24 entre 10% e 15% com um aumento progressivo de até 35% em 2026.
Figura 1 – Vendas de veículos leves elétricos e híbridos
Quando nos referimos a carros elétricos, é importante entender os seus tipos: (i) elétrico, (ii) híbrido plug in, (iii) híbrido.
- O veículo totalmente elétrico, movido a bateria e que a utiliza como a única fonte de energia
- Os híbridos plug-in contam com dois motores e podem ser movidos tanto a energia elétrica quanto a combustíveis. Para o seu funcionamento, necessariamente precisam ter a recarga de bateria.
- Os híbridos não plug-in não precisam ser recarregados. São capazes de extrair energia do movimento interno do seu próprio motor a combustão e utilizam essa eletricidade para períodos com velocidade reduzida.
Dito isso, podemos ver a evolução da participação desses modelos de veículos durante os últimos anos. Somados os três modelos, atualmente temos cerca de 7,4% do total de vendas, conforme Figura 2.
Figura 2 – Participação por modelo de veículo
A China tem sido uma potência na fabricação de veículos elétricos (VEs) há anos. Com um foco incansável na inovação e investimentos pesados em tecnologia, as empresas chinesas têm liderado o caminho na produção de VEs mais acessíveis e de alta qualidade. Além disso, políticas governamentais favoráveis, como subsídios generosos e regulamentações rigorosas de emissões, têm impulsionado ainda mais o crescimento desse setor.
Com sua expertise consolidada e uma indústria madura em casa, as empresas automotivas chinesas estão agora mirando em mercados estrangeiros, e o Brasil emergiu como um alvo estratégico.
Marcas como GWM, BYD estão ganhando terreno rapidamente, desafiando a participação das montadoras tradicionais. Com uma gama cada vez maior de opções, os consumidores brasileiros estão cada vez mais inclinados a considerar os VEs chineses como uma alternativa viável.
Corroborando com esse movimento, a GWM adquiriu uma antiga fábrica da Mercedes Benz em Iracemápolis (SP) e anunciou planos de investir US$ 2 bilhões no Brasil até 2032. A produção de veículos híbridos e elétricos, está programada para começar no segundo semestre deste ano com capacidade de produção de 100 mil veículos por ano.
Adicionalmente, a BYD realizou a aquisição da antiga fábrica da Ford em Camaçari (BA) no ano passado, devendo começar a operar entre o fim de 2024 e o início de 2025 com capacidade instalada próxima de 150 mil veículos por ano durante a primeira fase de implantação. Com isso se tornará o maior polo industrial da BYD fora da China e contará com o investimento de US$ 620 milhões.
Apesar do entusiasmo crescente, há desafios significativos a serem enfrentados. A infraestrutura de recarga precisa ser expandida e aprimorada para acompanhar a demanda crescente. Embora a maior parte do carregamento de veículos elétricos seja feito em casa, uma forte rede pública de carregamento é essencial para atender às necessidades dos usuários. De acordo com os dados mais recentes da ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico), o Brasil conta com apenas 4631 estações públicas de recarga de veículos elétricos, como podemos ver a evolução na Figura 3.
Figura 3 – Quantidade de estações púbicas de recarga no Brasil
O desenvolvimento da infraestrutura de recarga impõe desafios em países com territórios extensos, como o Brasil. O custo de instalação do equipamento de fornecimento é de 30 a 80 mil dólares. De acordo com a ANFAVEA, o Brasil precisará de 150 mil pontos de recarga até 2035, ou um investimento de US$ 4,5 bilhões a US$ 12 bilhões. Isso exigirá um esforço colaborativo de fabricantes de veículos, empresas interessadas em fornecer infraestrutura de carregamento e do governo. Dadas as limitações históricas na capacidade de investimento público, o desenvolvimento de infraestrutura provavelmente levará muito mais tempo do que nos países desenvolvidos.
Com isso, aumenta a dificuldade da autonomia de viagens mais longas ao redor do país e acaba restringindo o uso desses veículos apenas em áreas urbanas e mais desenvolvidas. Podemos visualizar na Figura 4, a concentração das estações de recargas públicas por estado.
Figura 4 – Estações de recargas por estado
Além disso, o preço ainda é um fator restritivo para o brasileiro. Apesar de avanços em relação ao custo da bateria (muitas vezes representa 40 a 60% do veículo), o preço mínimo de um carro elétrico no Brasil está por volta dos 150 mil reais, bem distante da realidade da maioria dos brasileiros.
Com a produção em nosso território, poderemos ter o poder da escala favorecendo esses preços. Em relação ao custo da bateria, há vários projetos em andamento para otimizá-lo, de acordo com o levantamento do Goldman Sachs (Figura 5), esse custo deve reduzir em até 11% até 2030.
Figura 5 – Evolução do custo da bateria
Uma outra questão relevante é a depreciação desse tipo de veículo. Segundo a KBB Brasil, empresa de precificação de veículos, no primeiro ano os 100% elétricos perdem em média 20% do valor, enquanto que nos híbridos a depreciação é de 18% e nos carros a combustão, de 15%.
A incerteza relacionada a durabilidade das baterias juntamente com o interesse do consumidor de adquirir apenas veículos 0km desse modelo tem contribuído para essa desvalorização mais forte.
Em relação a descarbonização, é evidente que o carro elétrico tem uma vantagem significativa de sustentabilidade durante a sua fase de uso. Porém, quando verificamos as etapas de produção de insumos, fabricação e descarte final não seguem a mesma linha.
Tratando-se da emissão de carbono, veículos com utilização de biocombustíveis como etanol, possuem um impacto até menor em relação ao meio ambiente do que os próprios carros elétricos quando analisamos todo o ciclo de vida do carro, desde a produção, utilização do veículo, manutenção e reciclagem/descarte das baterias, conforme Figura 6.
Figura 6 – Emissão de carbono durante o ciclo de vida dos veículos
O Brasil por ser um dos maiores produtores de biocombustíveis do mundo, deve impulsionar esse tipo de combustível nos próximos anos. Etanol, biodiesel, biometano deverão cada vez mais serem utilizados. Em relação a infraestrutura, a distribuição não precisaria de mais investimentos, já que possui uma rede pronta.
Notamos o quanto ainda é desafiador para os modelos elétricos se firmarem como preferência do brasileiro. Entretanto, não se refere a uma questão excludente, não passaremos por uma mudança abrupta de frota, à medida que tivermos avanços nesse tipo de tecnologia e investimentos em infraestrutura, poderemos ver uma participação maior no nosso país.
Esse movimento de transição para carros elétricos não vem acontecendo na mesma velocidade em regiões geográficas diferentes. Podemos perceber que a infraestrutura, a matriz energética e apetite a investimentos pelo setor público são variáveis fundamentais. Em um país com tamanha extensão e diversidade, não seria prudente acreditar em apenas um modelo vencedor. Devemos observar cada vez mais um mix de carros a biocombustíveis, híbridos e também elétricos renovando a nossa frota durante os próximos anos.
Publicado por
Ricardo Leite Franco Filho
Partner & Investment Analyst at Santa Fé Investimentos