O FUTURO DO MERCADO BRASILEIRO DE ETANOL

Desde a década de 1970, o Brasil vem construindo uma trajetória sólida no mercado de etanol. O Programa Nacional do Álcool (Proálcool), lançado em 1975 em resposta à crise do petróleo de 1973, teve como objetivo diminuir a dependência do país de importações de petróleo. Essa iniciativa marcou o início de uma política de incentivo à produção e ao uso de etanol como alternativa às fontes fósseis, resultando na obrigatoriedade da mistura de álcool na gasolina e na produção de etanol hidratado combustível. Além disso, o Brasil investiu no desenvolvimento de tecnologia nacional voltada para a utilização do etanol combustível, destacando-se a criação do carro movido a etanol em 1979 e, posteriormente, o carro Flex em 2003, o primeiro modelo capaz de operar com diferentes combinações de gasolina e álcool. Essa inovação proporcionou ao consumidor brasileiro maior flexibilidade e aumentou a demanda pelo biocombustível.
No Brasil, o etanol é tradicionalmente produzido a partir da cana-de-açúcar. No entanto, na última década, o milho vem ganhando destaque como matéria-prima para sua produção. Diferentemente da cana, que precisa ser processada poucas horas após a colheita, uma das maiores vantagens do milho é sua capacidade de armazenamento em silos por longos períodos, o que permite que a produção de etanol de milho prossiga sem depender do período de safra do grão. O processo de produção do etanol de milho foi aperfeiçoado nos Estados Unidos, e sua implementação no Brasil começou por volta de 2012/2013, com surgimento dos primeiros projetos no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul. A ideia era aproveitar a estrutura produtiva, o conhecimento técnico e a logística já existentes nas usinas tradicionais para produzir etanol de milho durante a entressafra da cana-de-açúcar, período em que a estrutura física geralmente fica ociosa e o preço do combustível mais atrativo. Assim surgiu o conceito de “Usina Flex”.
Ao aproveitar parte da infraestrutura já existente, as usinas Flex reduzem o investimento inicial necessário para os projetos de etanol de milho, além de rentabilizar uma estrutura que, de outra forma, ficaria ociosa durante a entressafra da cana. Além disso, dependendo do tamanho e da eficiência dessas operações híbridas, grande parte — ou até toda — a demanda energética do etanol de milho pode ser atendida mediante a queima do próprio bagaço de cana remanescente da safra, o que ajuda a reduzir os custos de produção.
Com o amadurecimento da tecnologia e o aumento na disponibilidade do cereal, impulsionado pelo crescimento da produção de milho de segunda safra, os projetos de etanol de milho tornaram-se cada vez mais atrativos para os investidores. Nesse contexto, algumas usinas Flex passaram a ampliar sua estrutura produtiva e a produzir etanol de milho ao longo de todo o ano, concomitantemente ao etanol de cana, não se limitando à entressafra. Essas usinas passaram a ser chamadas de “Flex Full”. Para essas unidades, o bagaço de cana ainda pode suprir boa parte da demanda energética, mas, devido ao aumento no consumo de energia, muitas vezes torna-se necessário investir em caldeiras adicionais e buscar fontes alternativas de energia.
Já em 2017, foi inaugurada no Mato Grosso a primeira destilaria com produção totalmente proveniente do milho, conhecida como usina “Full”. Uma das desvantagens dessa planta é a necessidade total de um combustível externo, geralmente cavaco de madeira, já que, ao contrário das usinas tradicionais que queimam o bagaço da própria cana, o milho não apresenta biomassa combustível para gerar energia. Além disso, o investimento inicial desse tipo de projeto costuma ser maior devido à ausência de uma estrutura pré-existente para aproveitamento. Por outro lado, essas empresas geralmente apresentam estruturas mais simples do que as usinas tradicionais e as usinas Flex, optando por não investir na produção de milho e, assim, evitando a necessidade de uma área agrícola dedicada exclusivamente à cultura. De fato, a maioria dos projetos de etanol de milho, sejam “Full” ou “Flex”, não investe na produção do grão e, ao invés disso, preferem se instalar perto dos grandes centros produtores do cereal, optando por comprar e armazenar o milho localmente nos períodos em que os preços estão mais atrativos.
Outra grande vantagem do etanol de milho, em termos de rentabilidade, são as receitas provenientes dos diversos coprodutos gerados no processo de esmagamento do milho e na destilação do álcool, que podem representar até 35% do faturamento dessas usinas. Além do próprio etanol, elas podem produzir óleo de milho, que pode ser utilizado para alimentação ou transformado em biodiesel, e o DDG (sigla em inglês para grãos destilados desidratados). Enquanto, no processo tradicional, o caldo da cana já é naturalmente rico em açúcares, como a sacarose, que são fermentados para produzir etanol, o milho, por sua vez, é rico em amido, que precisa ser previamente convertido em açúcares por um processo enzimático antes da fermentação. Após a extração da gordura (óleo), quebra enzimática do amido e a destilação dos grãos fermentados, o resíduo restante é rico em fibra e proteína, sendo ideal para uso na alimentação animal e tendo conquistado espaço no mercado interno na forma de DDG. Como o DDG é um subproduto direto do milho, quando o preço do grão sobe, o valor do DDG também tende a aumentar, o que ajuda a compensar parcialmente o aumento dos custos do milho.
O cenário de crescimento para o etanol de milho no Brasil é positivo, alimentado por uma “tempestade perfeita” que tem impulsionado investimentos no setor. Atualmente, há quase 30 projetos em operação, e esse número pode aumentar em até 50% nos próximos anos, caso todos os projetos já autorizados pela Agência Nacional do Petróleo e Gás Natural (ANP) sejam efetivamente implantados. Segundo estimativas de grandes bancos, o cereal pode dobrar sua participação no mercado brasileiro de etanol até 2030, passando dos atuais 20% para 40%. Enquanto isso, a produção de milho em 2024/2025, impulsionada por um clima amplamente favorável, registrou uma colheita recorde, superando 130 milhões de toneladas. Paralelamente, os novos projetos de produção de etanol a partir do cereal aumentaram a demanda e ajudaram a manter o preço da commodity estável no mercado interno, o que tem animado os produtores. As perspectivas de aumento na demanda por etanol também são promissoras. Internamente, destaca-se a possibilidade de elevar a mistura obrigatória na gasolina para 30%, além da expansão da participação em mercados pouco explorados, como a aviação agrícola e os transportes marítimos. Além disso, a produção de etanol de milho, concentrada no Centro-Oeste brasileiro, apresenta custos menores para os mercados das regiões Norte e Nordeste, quando comparada ao etanol de cana do Sul e Sudeste, o que aumenta a competitividade do biocombustível nessas regiões. Externamente, o etanol tem evoluído para uma commodity global, com cerca de 76 países anunciando a intenção de incorporar etanol à gasolina. Dentre eles, destacam-se Índia e Japão, que planejam alcançar uma participação de 20% até 2030 e 2040, respectivamente.
Publicado por:
Pedro Luis Figueiredo
Partner & Investment Analyst at Santa Fé Investimentos