OS CARROS VOADORES ESTÃO CHEGANDO (E ELES SÃO BRASILEIROS)
54ª Salão Internacional da Aeronáutica de Paris-Le Bourget
O maior evento comercial da indústria aeroespacial aconteceu nessa semana de 19 a 25 de junho em Paris. O Salão Internacional da Aeronáutica de Paris-Le Bourget (Le Salon International de l’Aéronautique et de l’Espace) é um evento bastante aguardado pelos participantes desse setor, onde são apresentados o que há de mais inovador do setor aeroespacial e normalmente são anunciados novos contratos de compra com os fabricantes, conforme Figura 1.
A edição 54ª dessa feira foi realizada após um hiato desde 2019, devido às incertezas e restrições do Covid-19. O evento foi considerado um sucesso atraindo cerca de 300 mil pessoas e movimentando cerca de US$ 150 bilhões. Houve recorde de venda de aeronaves, totalizando mais de 1300. Um grande destaque dessa edição foi a fabricante Airbus, registrando 801 novas aeronaves na conta, entre elas um relevante acordo de 500 aeronaves A320neo com a IndiGo, o maior contrato de aviões já feito no mundo em todos os tempos. Também houve a assinatura do acordo de 250 aeronaves da Air India, o qual já havia sido antecipado no começo do ano.
Eve: A startup da Embraer
Em relação a inovação, o maior destaque ficou por conta da Eve, empresa subsidiária da Embraer, criada em 2020 com o objetivo de desenvolver soluções inovadoras e sustentáveis para a mobilidade aérea urbana.
Durante a tradicional feira aeroespacial, ficou exposto um modelo (mock-up) da cabine do eVTOL da Eve, também conhecido como “carro voador”. A configuração do veículo contempla uma asa convencional com oito rotores, proporcionando funcionalidades de decolagem e pouso vertical em um design simples, com espaço interno para acomodar um piloto e quatro passageiros. Visitantes também experimentaram um voo virtual no eVTOL por meio da tecnologia de realidade virtual, podendo ser observado na Figura 2.
Esse modelo de aeronave busca entregar ao usuário final uma nova opcionalidade de mobilidade urbana em cidades com grande densidade populacional e gargalos de congestionamento, devendo ter uma autonomia de até 200km e uma duração de viagens de até 20 minutos, com uma velocidade máxima de 200km/h e podendo chegar a uma altura de 300 metros.
A diferenciação desse novo modal é ser movido 100% a bateria elétrica, ter reprodução de um baixo ruído (80% inferior ao produzido por um helicóptero) e um sistema de distribuição de sustentação entre vários rotores. De acordo com a empresa, os motores elétricos irão fazer o custo da operação do eVTOL ser muito mais barato que a de um helicóptero. Estima-se que uma viagem de eVTOL vai custar um sexto do valor que seria pago pelo mesmo trajeto, com viagens em torno de R$ 100 a R$ 500 por passageiro.
O mercado de eVTOLs demonstra ser bastante promissor, estimado em mais de US$ 1 trilhão apenas em demanda de passageiros e potencialmente ultrapassando US$ 3 trilhões até 2040, ao adicionar o transporte de cargas e uso militar.
Com ações listadas na Bolsa de Nova York desde maio de 2022, a Eve é controlada pela Embraer (90% do capital) e tem investidores como United Airlines, SkyWest, Republic Airlines e Rolls-Royce, entre outros. A empresa conseguiu levantar cerca de US$ 400 milhões de dólares em sua listagem na Bolsa de Nova York, além de obter um financiamento do BNDES de R$ 490 milhões.
A Eve já conta com a maior carteira de pedidos do setor feitos por meio de cartas de intenção não vinculantes (2.850 unidades, 22% market share atual) para sua aeronave elétrica com mais de 20 clientes em todo mundo e deve entrar em operação em 2026, com testes já a serem feitos a partir de 2024. Calcula-se em média um custo por unidade de US$ 3 milhões, totalizando então um potencial backlog de mais de US$ 8,5 bilhões segundo a última atualização.
Há entre os potenciais clientes: operadoras de helicópteros, plataformas de compartilhamento e empresas de leasing, incluindo United Airlines, Falko Regional Aircraft, Republic Airways, Azorra, SkyWest e GlobalX, entre outras apresentadas na Figura 3.
A empresa recentemente fechou contratos com importantes fornecedores como a Nidec Aerospace, responsável pelos sistemas de propulsão elétrica, a renomada BAE Systems, encarregada dos sistemas avançados de armazenamento de energia e a DUC Helice Propellers, responsável pelos rotores e hélices. Essas parcerias estratégicas garantem que a Eve esteja bem posicionada para avançar na produção em larga escala até 2026.
A parceria estratégica da Eve com a Embraer é uma vantagem competitiva fundamental. Inclui-se uma licença isenta de royalties para a propriedade intelectual, acesso a milhares de funcionários altamente qualificados, além do uso da infraestrutura global da companhia.
A Embraer é uma referência do setor aeroespacial, sendo a terceira maior fabricante de aeronaves comerciais do mundo, atrás apenas da Airbus e Boeing, a líder em jatos comerciais de até 150 assentos.
A companhia brasileira já entregou mais de 8.000 aeronaves desde então, sendo produzidos 30 modelos diferentes só nos últimos 25 anos. Em média, a cada 10 segundos uma aeronave fabricada pela Embraer decola em algum lugar do mundo, transportando mais de 145 milhões de passageiros por ano.
Além de otimizar a mobilidade urbana, os eVTOLs planejam seguir com a agenda ESG. A aeronave será sustentável e terá zero emissão local de carbono.
Em uma simulação comparativa de viagem de carro e de eVTOL de Johanesburgo para Petrória na África do Sul, a viagem pode sair de 1h30min de carro para 19 min com a aeronave, além de não emitir cerca de 163kg de CO2, podendo ser observado na Figura 5.
Riscos e desafios
Há alguns obstáculos para que esse mercado venha de fato existir e que haja maturação, como o alcance da certificação e o estabelecimento do ecossistema.
A certificação do próprio veículo é um grande desafio junto às entidades regulatórias. Como o segmento é novo, tudo ainda está sendo estabelecido. A ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) precisa validar o modelo para que de fato venha a ser produzido. A Eve formalizou o pedido de certificação em fevereiro de 2022 e há uma expectativa para que seja aprovada em 2025. Como a ANAC possui vários acordos bilaterais, caso venha a ser aceito, será muito mais simples obter certificações em outras regiões do mundo.
Outro ponto é a definição de todo o ecossistema. Alguns aspectos regulatórios, como o controle de espaço aéreo, uma infraestrutura adequada através de pontos estratégicos espalhados pelas cidades para garantir a segurança e viabilidade da operação estão sendo estudados.
O dimensionamento de quais rotas serão viáveis e onde se situarão os “Vertiportos” também está sendo um desafio. A empresa cita que por São Paulo ter uma das maiores frotas de helicópteros do mundo e o eVTOL oferecer um ticket mais acessível, haverá uma grande utilização nessa cidade, além de outros potenciais como Rio de Janeiro e Florianópolis no Brasil e no exterior como Los Angeles, Paris, Tóquio, Londres entre outras.
Em relação a concorrência, outras empresas espalhadas pelo mundo também estão desenvolvendo modelos semelhantes e trarão competitividade para o novo setor, como o caso das americanas Archer Aviation, Joby Aviation, Wisk Aero (controlada pela Boeing), da britânica Vertical Aerospace, das alemãs Litium, Volocopter e da chinesa EHang.
Considerações finais
Podemos perceber que restam muitos desafios para termos esses eVTOLs sendo produzidos e utilizados no dia a dia. No entanto, com o avanço da tecnologia, como softwares de controle de tráfego aéreo, motores movidos a bateria elétrica, a necessidade de emitir uma pegada de carbono menor e de otimizar a mobilidade urbana em grandes cidades, podemos crer que estamos cada vez mais próximos desse novo tipo de modal.
Colocando o tema no âmbito do mercado de capitais, os investidores parecem não estar visualizando esse tipo de modal ser posto em prática tão cedo. A Embraer hoje negocia com um múltiplo menor que seus pares globais. Além disso, existe essa opcionalidade da Eve ser um player relevante nesse novo mercado e com isso destravar bastante valor aos acionistas.
Vamos acompanhar!
Publicado por
Ricardo Leite Franco Filho
Partner & Investment Analyst at Santa Fé Investimentos