QUASE TUDO QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE O 1º TRIMESTRE DE 2023 NO SETOR ELÉTRICO
Introdução
Iluminação, celulares, computadores, eletrodomésticos e até carros. É inegável que, no mundo moderno, a energia elétrica se tornou indispensável ao ponto de muitos não conseguirem imaginar a vida sem ela. No Brasil, como é o caso de outros setores considerados essenciais (como saneamento e combustíveis), o Setor Elétrico é altamente regulado.
Assim sendo, a troca de governo ocorrida em 2023, naturalmente, trouxe uma série de incertezas: ministros foram trocados, ministérios reestruturados e nomes foram anunciados para cargos importantes. Além disso, mudanças de postura do governo federal quanto a temas relevantes ao setor também impactaram as empresas.
Neste texto, vamos recapitular os principais acontecimentos do primeiro trimestre e seus desdobramentos.
Janeiro
O ano começou com cautela devido às diversas trocas e exonerações de membros do Ministério de Minas e Energia e da posse do senador Alexandre Silveira como ministro. Em seu discurso, o ministro prometeu “Segurança Jurídica nos contratos, Segurança Regulatória para os agentes, Segurança e Modicidade Tarifária para os cidadãos, e Segurança de Suprimento para a nação”. O discurso não tranquilizou o mercado, que sofreu com quedas importantes na primeira semana do ano.
No primeiro final de semana do ano, houve o polêmico fim do prazo para registros de novos projetos de geração distribuída (GD) com manutenção da isenção da tarifa de utilização do sistema de transmissão e distribuição (Fio B) até 2045, que se deu no dia 7. E falando em GD, alavancado pelo prazo para o fim dos subsídios, o segmento adicionou, nos três primeiros meses do ano, uma média de 1GW por mês de capacidade instalada ao sistema. Com esse impulso, a fonte solar fotovoltaica ultrapassou a fonte eólica, tornando-se a segunda maior fonte na matriz elétrica brasileira, atrás apenas da fonte hidráulica.
A segunda semana do ano foi marcada por atos de sabotagem em linhas de transmissão por todo o país, mas os ataques não pareceram atrapalhar o otimismo de investidores com as empresas do setor elétrico.
A CPFL (CPFE3) informou ao mercado que seu Conselho de Administração aprovou um plano de investimentos na ordem de 25 bilhões de reais para os próximos 4 anos, e a Equatorial Energia (EQTL3) informou que seu Conselho aprovou a emissão de 7 bilhões em debêntures, referentes à dívida assumida pela empresa na compra da distribuidora goiana Celg à Enel, no final do ano passado.
O cenário hídrico, que já vinha favorável desde a primavera de 2022, teve aumentados os níveis dos reservatórios e resultou em diversas usinas hidrelétricas (UHE) do centro-sul abrirem vertedouros e aumentarem sua vazão, para controle de cheias. Entre elas, podemos citar Irapé (CMIG4) e Furnas (ELET6), esta última não abria vertedouros desde 2012.
Ainda em janeiro, tivemos o início de uma serie de “novelas” do setor, algumas das quais continuam sem definição: A comercializadora de energia Enercore Trading entrou com pedido de liminar contra o PLD (Preço de Liquidação das Diferenças) mínimo fixado pela Aneel em R$ 69,04/MWh em dezembro, alegando que a agência reguladora teria cometido erros ao calcular a tarifa de energia de otimização (TEO) de Itaipu. O pedido foi inicialmente negado.
Vimos, também, o Ministro Alexandre Silveira enfrentar dificuldades para recompor o quadro do MME, uma vez que suas indicações de preferência foram barradas pela ala política do atual governo por terem ligação com o anterior. Por fim, vimos o TCU invalidar a concessão do controverso lote 6 do leilão de linhas de transmissão nº 002/2022 da Aneel, originalmente pertencente à ISA CTEEP (TRPL4) e arremetado pelo consórcio Olympus XIX, composto por Alupar (ALUP11) e pela Mercury, da Perfin.
O relator decidiu devolver a subestação e linhas referentes ao lote à ISA CTEEP alegando que a Aneel não poderia fazer a redução unilateral do contrato preexistente.
Fevereiro
Se podemos dizer que o mês de janeiro terminou, mais ou menos, nos mesmos patamares em que começou, o mesmo não pode ser dito de fevereiro. Logo no início de mês, uma emenda protocolada pelo deputado federal Danilo Forte à MP 1.154/2023 (que estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios) que prevê a criação de conselhos vinculados aos ministérios e agências reguladoras “para deliberação de atividades normativas” assustou agentes de diversos setores regulados.
Na prática, a emenda enfraquece a autonomia das agências reguladoras e foi considerada por alguns parlamentares como uma forma de interferência. A apreciação pelo plenário deve ocorrer até 2 de abril.
O noticiário político continuou afetando fortemente o mercado ao longo do mês, com falas do Presidente sobre a reestatização da Eletrobrás (ELET6) que trouxeram pessimismo e insegurança ao setor como um todo. O chefe do executivo categorizou os termos da privatização, ocorrida no governo anterior, como “leoninos” (onde uma das partes é demasiadamente prejudicada) e disse que colocaria a Advocacia Geral da União (AGU) para trabalhar em formas de reverter essa privatização.
Em meados de fevereiro houve o início da divulgação dos resultados do 4º trimestre e consolidados de 2022 das empresas de energia. Puxaram a fila Neoenergia (NEOE3), Engie (EGIE3), Auren (AURE3), ISA CTEEP (TRPL4) e EDP Brasil (ENBR3). Contudo, o tom do mercado foi ditado pelo desenrolar de “novos episódios” das “novelas” do setor: no dia 15, o TRF-1 acatou a solicitação da Enercore Trading e deferiu uma liminar suspendendo o PLD mínimo de 2023.
A Aneel recorreu da decisão e disse que, na prática, não conseguirá cumprir a liminar pois ela cria um “vácuo regulatório”, uma vez que ela não define qual deve ser ou como deve ser calculado o novo PLD mínimo.
Ainda sem conseguir emplacar um secretário-executivo, o ministro Alexandre Silveira se viu pressionado pela questão das renovações de concessões das distribuidoras. Nos próximos anos, mais de 20 concessões chegarão ao fim de seus contratos, cabendo ao atual governo decidir quais serão os termos para renovação, caso haja interesse por parte das empresas.
O mercado teme que o Governo Federal estabeleça uma renovação onerosa, em que as empresas devem realizar o pagamento de uma outorga para continuarem com as concessões, ou mesmo que os contratos sejam relicitados.
A demora para estabelecer os termos traz incertezas e dificulta o investimento e financiamento de novos projetos, segundo representantes de empresas do setor. O ministro se encontra em uma posição delicada em que deve defender o “interesse público” e a modicidade tarifária, levando em conta que o pagamento de outorgas ou diminuição da Receita Anual Permitida (RAP) pode diminuir a atratividade ou mesmo inviabilizar alguns contratos, em especial aqueles que se encontram em situação delicada como os da Light (LIGT3) e da Amazonas Energia, gerando, possivelmente, piora na qualidade dos serviços e aumentos nas tarifas.
Março
Após um fevereiro difícil, o mês de março começou com a Energias de Portugal (EDP) anunciando, no dia 02, a intenção de fechar o capital da EDP Brasil (ENBR3). A insatisfação do grupo português com o valor atribuído às ações pelo mercado brasileiro não é recente, mas destacou que o fechamento de capital tem como objetivo “acelerar e reforçar a posição do Grupo EDP no Brasil, uma vez que o referido ativo possui um alto valor agregado e estratégico ao negócio”.
Ainda nos primeiros dias de março, vimos a decisão do STF de manter a liminar do ministro Luiz Fux que inclui as tarifas sobre uso das redes de transmissão e distribuição (TUST E TUSD) na base de cálculo do ICMS. Segundo levantamento da Associação das Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), a decisão causará o aumento das contas de luz de moradores de ES, SC, PR, RS e DF. Outros dois estados, MG e RO, já haviam retomado a cobrança a partir da liminar de 15 de fevereiro.
No cenário climático, vimos o fenômeno La Niña chegar ao fim após 3 anos de duração, conforme previsto pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e confirmado pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA). As chuvas frequentes e intensas continuaram a encher os reservatórios e forçar as hidrelétricas a abrirem comportas e aumentarem sua vazão, chegando até a causar destruição e mortes em alguns locais como ocorreu com o litoral norte de São Paulo durante o Carnaval.
Itaipu chegou a abrir uma segunda calha em meados de fevereiro, totalizando uma vazão de mais de 12 milhões de litros por segundo, já Furnas anunciou no dia 16 deste mês a abertura do vertedouro da hidrelétrica de Itumbiara, localizada entre os estados de GO e MG, pela primeira vez em 13 anos, após o reservatório atingir 97% de sua capacidade.
O Reservatório Equivalente do Sistema Interligado Nacional – SIN (Reservatório abstrato que representa a soma do volume de todos os reservatórios e Usinas do SIN) superou a marca dos 87% de capacidade, contra 73% e 56% no mesmo período em 2022 e 2021 respectivamente. Ao que tudo indica, o preço da energia deve se manter no piso regulatório (PLD mínimo) pelos próximos meses.
Falando, ainda, do PLD mínimo, em março a Aneel e a Enercore Trading elevaram o tom, com a comercializadora chegando a chamar de “estapafúrdios e meramente protelatórios” os questionamentos da agência. Durante a abertura da reunião ordinária da diretoria do dia 21, o diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, considerou as alegações como inadmissíveis e disse que a linha entre a boa e a má fé foi ultrapassada. A AGU, que representa a agência no caso, pediu, inclusive, que a justiça oficie a OAB do Distrito Federal para apurar a conduta dos advogados.
Enquanto a “novela” da jududicialização do PLD mínimo entra em mais um capítulo, a recomposição do MME chegou a um final dramático com a confirmação de Efrain Cruz como novo Secretário-Executivo. O nome não foi bem recebido pelo mercado, com receios em especial às regras das renovações de concessões de distribuição, sendo que no dia do anúncio, sexta-feira 17, as ações de diversas empresas do setor fecharam em forte queda. Entre as maiores podemos citar Equatorial (EQTL3) com queda de 5%; Energisa (ENGI11) recuou 6,4%; Eletrobrás (ELET6) perdeu 4,8%; e CPFL (CPFE3) que teve queda de 6,6%.
Nos dias que se seguiram à nomeação, diversos agentes do mercado se pronunciaram, com renomadas casas de research apontando que Efrain Cruz teve posturas “não consensuais” enquanto diretor da Aneel, e que as declarações do Ministro Alexandre Silveira de que os processos de renovação seriam uma oportunidade para corrigir “distorções” no setor foram vagas e deixaram margem para que o mercado especulasse sobre potenciais desdobramentos negativos.
Questionados durante as teleconferências de resultados de suas respectivas empresas, Gustavo Estrella (Presidente da CPFL – CPFE3) e Fernando Maia (Vice-presidente de RI da Energisa – ENGI11) tentaram acalmar os investidores, classificando a reação negativa como exagerada e ressaltando que o mercado teve uma convivência “civilizada e pacífica” com Efrain durante seu mandato de 4 anos na agência reguladora, e ressaltaram que ele possui experiência e perfil técnico, e que conhece e entende os problemas das distribuidoras, uma vez que foi diretor da Eletroacre e da Ceron, hoje Energisa Acre e Energisa Rondônia.
Na penúltima semana do mês, o noticiário político continuou adicionando volatilidade ao setor no mercado, com o Presidente voltando a criticar a privatização da Eletrobrás classificando-a como “crime de lesa-pátria” e parlamentares do Partido dos Trabalhadores (PT) lançando uma Frente Parlamentar Mista pela reestatização da empresa.
Do lado positivo, O secretário de Energia Elétrica, Gentil Nogueira, informou que o MME está aguardando a definição da relatoria da comissão especial do Projeto de Lei nº 414, que trata sobre a abertura do Mercado Livre de Energia que está travado há quase 2 anos na Câmara dos Deputados, para iniciar as tratativas com os parlamentares.
A expectativa é de que o deputado federal e ex-ministro de Minas e Energia do governo Temer, Fernando Coelho Filho, seja reconduzido à relatoria após deixar a mesma em janeiro deste ano sem apresentar um relatório. Conforme apurado pela revista MegaWat, no entanto, isso se deu por se tratar de uma comissão temporária que foi extinta com o fim da legislatura anterior e deve ser retomada na legislatura atual.
Ainda, no mês de março, tivemos da divulgação dos resultados trimestrais e consolidados das últimas empresas do setor elétrico.
Entre os principais nomes, podemos citar: Eletrobrás (ELET6), Taesa (TAEE4), CPFL Energia (CPLE3), Energisa (ENGI11), Cemig (CMIG4) e Equatorial Energia (EQTL3), sendo que esta última surpreendeu o mercado com o anúncio da venda de uma participação de 11% de seu braço de distribuição ao banco Itaú (ITUB4), pelo valor de 2,1 bilhões de reais, em termos semelhantes aos do negócio realizado em 2019 quando o banco aportou 1 bilhão por 9,9% da empresa.
Nos três primeiros meses do ano, as ações do Setor Elétrico passaram por momentos de grande volatilidade, e algumas incertezas ainda pairam sobre as cabeças dos investidores.
Por isso, para o leitor que quiser navegar nesse mercado das empresas elétricas, deixo aqui o que acredito serão os principais assuntos para acompanhar no próximo trimestre: A votação da MP 1.154 contendo a emenda que enfraquece as agências reguladoras; A tentativa do Presidente e seu partido de reverter a privatização da Eletrobrás; A briga entre Aneel e comercializadoras pela definição do PLD mínimo; A votação do PL 414 sobre a abertura do Mercado Livre de Energia; O crescimento da GD e suas consequências para as distribuidoras e, por último, mas não menos importante, a definição dos termos para renovação das concessões de distribuição.
Isso é quase tudo que você precisa saber sobre o 1º trimestre de 2023 no Setor Elétrico.
Publicado por
Pedro Luis Figueiredo
Partner & Investment Analyst at Santa Fé Investimentos