O Brasil é um país de dimensões continentais, abençoado com um extenso litoral, e grande riqueza e diversidade de recursos naturais, biomas, culturas e pessoas. Isso se traduz em um potencial ímpar para a produção de energia e combustíveis renováveis. Pioneiro no uso do etanol e biodiesel desde as décadas de 80 e 90, nos últimos anos o país passou por um crescimento explosivo na geração de energia solar, devido em partes à aprovação do marco legal da geração distribuída (Lei 14.300), que saltou de 8 para 32GW do final de 2020 até meados de 2023, e se consolidou como a segunda maior fonte na matriz energética nacional. Contudo, novos projetos na modalidade de geração de energia eólica prometem expandir drasticamente a capacidade de geração de energia renovável no país: as Eólicas Offshore!
Apesar de contar com mais de 7500Km de litoral, não há, atualmente, nenhuma usina de geração de energia eólica offshore (em alto mar) no Brasil. Os monumentais desafios logísticos e altíssimo custo de instalação de infraestrutura de transmissão tornam a energia produzida por essas usinas proibitivamente cara, incapaz de competir com outras fontes, como a própria eólica onshore (no continente), especialmente no momento atual onde há uma sobre oferta de energia no mercado nacional. Mas esse cenário pode estar perto de mudar: o país conta atualmente com mais de 200GW em projetos de geração de energia eólica offshore aguardando licenciamento ambiental do Ibama. O maior entrave para concretizar esses investimentos, no entanto, é regulatório.
Segundo Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeolica), a janela de oportunidade para o Brasil não “perder o bonde global” nas eólicas offshore e outros combustíveis renováveis como o hidrogênio é estreita, de um ano a um ano e meio. Ainda segundo ela, se o governo brasileiro não conseguir fazer um arranjo regulatório que incentive e traga segurança jurídica para esses investimentos, podemos ver esses projetos migrando para outros países onde a regulação está mais avançada. Elbia, entretanto, se diz otimista com o andamento da regulamentação desses mercados, destacando a disposição do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, de aprovar as regulamentações de eólica offshore (PL 576/2021), hidrogênio (PL 725/2022) e mercado de carbono (PL 412/2022), além da articulação do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que informou ao mercado que os textos que são discutidos na Câmara requerem somente “alguns aprimoramentos” e que um Marco Legal para o segmento pode ser aprovados ainda neste ano.
De olho nessa nova oportunidade, a Petrobrás (PETR4) anunciou, por meio de fato relevante divulgado no dia 13/09, uma parceria com a WEG (WEGE3) para o desenvolvimento de aerogeradores onshore de 7MW, os primeiros desse porte a serem fabricados nacionalmente. No mesmo dia, o presidente da Petrobrás, Jean Paul Prates, anunciou, durante o evento Brazil Windpower, que a empresa entrou com pedido de licenciamento ambiental para 23GW em projetos. Somam-se a isso metade dos 14,5GW em parceria com a norueguesa Equinor, anunciados no início do ano, totalizando 30GW em capacidade instalada de geração de energia eólica offshore aguardando licenciamento ambiental do Ibama, e alçando a primeira colocação no ranking das empresas com mais projetos, seguida pela chinesa Shizen Energy e pela britânica Shell, com 17,5 e 17GW respectivamente.
Corroborando essa tendência, um estudo divulgado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) sobre as oportunidades e desafios para a geração eólica offshore no Brasil mostra que a consolidação de uma cadeia de fornecedores e serviços dessa indústria poderia trazer benefícios para a economia e impulsionar a reindustrialização do país, que já conta com cadeias de suprimentos maduras e expertise nos setores de energia eólica onshore e exploração de óleo e gás offshore, tendo toda a bagagem necessária para avançar rumo à exploração eólica offshore.
A instalação de usinas eólicas offshore no Brasil, porém, preocupa alguns especialistas. Segundo levantamento de Centro Brasileiro de infraestrutura (CBIE), o custo da energia produzida no mar é 3x superior ao da energia produzida no continente, isso sem levar em consideração o altíssimo custo da infraestrutura de transmissão submarina. Neste caso, os custos de instalação podem ser até 10x maiores. Como destaca José Goldemberg, ex-ministro da educação e ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP), que também presidiu a Companhia Energética de São Paulo (Cesp), caso essa energia seja direcionada ao mercado cativo, esses custos deverão ser repassados aos consumidores brasileiros. Goldemberg avalia que as eólicas offshore são uma opção viável para países como Bélgica, Holanda ou Dinamarca, que não têm extensão territorial para desenvolver empreendimentos em terra, mas que o Brasil ainda tem muito potencial a ser explorado dentro do continente, com melhor custo-benefício.
A preocupação dos especialistas é válida, dada a fala do diretor de transição energética da Petrobrás, Maurício Tolmasquim, de que uma das estratégias para acelerar os investimentos no segmento seria leiloar a cessão de áreas com ancoragem no mercado cativo via leilão de reserva, de maneira similar ao que foi feito com algumas hidrelétricas no início dos anos 2000. Nesse modelo, o governo recebe um bônus pela concessão de exploração da área, e se compromete a comprar a energia por um preço definido em leilão de deságio, onde ganha aquele que oferecer maior desconto ao preço máximo. Outro ponto que gera preocupação é o fato de haver sobreposição de áreas em alguns projetos devido à falta de uma regulamentação sólida que defina os critérios para os parques eólicos.
Por outro lado, a avaliação do mercado é de que boa parte, senão a totalidade da energia produzida por essas usinas, seria destinada à exportação ou produção de Hidrogênio de baixo carbono, com foco nos mercados internacionais. Outro contraponto aos críticos do segmento é que esse tipo de investimento levará anos para entrar em operação, no mais cedo em 2028 para as empresas que já tem projetos em análise, e que os custos acabariam caindo por conta do ganho de escala e do desenvolvimento tecnológico e de uma cadeia de suprimentos local nesse período.
Por fim, é de grande importância que o governo brasileiro se adiante e crie o quanto antes uma regulamentação sólida para os setores de energias renováveis, como fez com a geração distribuída. Um marco legal traria a segurança jurídica necessária e daria um sinal claro para investimentos nesses segmentos. Embora o Brasil seja considerado um oásis para a produção de energia e combustíveis renováveis, com vantagens competitivas e potencial para ter custos de produção mais baixos que o resto do mundo, países como os EUA estão oferecendo bilhões de dólares em incentivos para desenvolver suas próprias indústrias de renováveis. Se o país não tiver regras claras que deem a segurança necessária para viabilizar esses investimentos, corre sério risco de, como disse Elba, “perder o bonde”.
Publicado por
Pedro Luis Figueiredo
Partner & Investment Analyst at Santa Fé Investimentos