NEARSHORING: UM CONVITE AO BRASIL

O termo “globalização” é amplamente discutido desde a década de 80, para descrever o processo de intensificação da integração econômica e política internacional. Entretanto, uma tendência de movimento chamado nearshoring, contrário a globalização, vem ganhando espaço e sendo bastante mencionado desde meados de 2022. Veja o aumento do número de pesquisas pelo termo no Google:

Figura 1: Google Trends

Nearshoring é simplesmente trazer uma parte ou toda a cadeia de fornecimento para uma localização mais próxima do mercado consumidor. Esse movimento tem duas importantes razões:

– A primeira é proveniente da desconfiança nas cadeias de suprimento globais em decorrência da pandemia. A dependência de insumos de países sujeitos a restrições devido a pandemia, obrigou consumidores a esperarem meses por certos produtos, mesmo com a demanda atingindo patamares bem elevados.

– O segundo motivo é com relação às questões geopolíticas, como exemplos a disputa comercial entre Estados Unidos e China e também a guerra na Ucrânia. Dessa forma, trazer parte da cadeia de produção para países mais próximos e que estejam alinhados politicamente, é a melhor solução para que mitigue esses gargalos no fornecimento.

De acordo com dados de 2022 do IDB (Banco Interamericano de Desenvolvimento), o efeito do nearshoring deve trazer uma receita anual adicional de 64 bilhões de dólares em exportações para os países da América. Entre os principais candidatos estão o México e o Brasil, conforme Figura 2.

Figura 2: Nearshoring (IDB-2022)

O México, por ter a maior proximidade com os Estados Unidos e uma infraestrutura razoável será o principal beneficiado. Essa migração já está sendo percebida com altos investimentos de multinacionais. Como exemplos temos a BMW que anunciou investimentos na ordem de 800 milhões de euros em San Luis Potosi em uma fábrica de modelos elétricos e a Tesla em Monterrey com investimentos próximos de 1 bilhão de dólares.

Além do setor automotivo, investimentos no setor de tecnologia também já puderam ser vistos, como o caso da Foxconn, maior fabricante terceirizada de eletrônicos do mundo, estabelecendo uma sede no México para atender melhor o mercado norte-americano, como também a Pegatron, fornecedora da Tesla e General Motors.

No caso do setor automotivo, esse movimento tende a ser ainda mais intenso, visto que o acordo comercial USMCA, antigo Nafta, assinado em 2020 pelo governo Trump, incentiva o comércio entre os países envolvidos: EUA, Canadá e México. Até 2027, pelo menos 70% de todas as peças automotivas deverão ser adquiridas de países participantes desse bloco.

Corroborando com esse movimento, a empresa Tupy, brasileira e uma das maiores metalúrgicas do mundo com sede também no México, comunicou recentemente a assinatura de novos contratos de 8 anos com os EUA gerando uma receita potencial adicional de 650 milhões de reais por ano a partir de 2024.

E o Brasil participará?

Essa reconfiguração do mapa da cadeia produtiva global deverá colocar o Brasil entre um dos potenciais vencedores. A nossa proximidade com o continente europeu e Estados Unidos, nossa estabilidade em relação a guerras e nossa matriz energética trazem confiança para atrair esses investimentos. Porém, ainda temos um longo caminho pela frente para, de fato, possuir um ambiente atrativo a novos negócios.

Alguns importantes gargalos que limitam a atração de mais investimentos para o Brasil são: parques industriais com nível baixo de tecnologia e automação, infraestrutura, sistema tributário e insegurança jurídica.

De uma forma geral, nosso parque industrial “deixa a desejar” em força tecnologica, automação e uso de softwares. Isso pode ser observado nos indicadores de produtividade por trabalhador, com o país possuindo números até 4x menor que países desenvolvidos como os EUA.

Outra fragilidade do país está na infraestrutura. Apesar de alguns bons resultados nos últimos anos como na navegação de cabotagem e investimentos anunciados para a malha rodoviária, o país paga caro pelo abandono de suas linhas férreas.

Todos os países desenvolvidos apresentam um modal ferroviário relevante para transportar commodities e materiais, já o Brasil conta com apenas 21% de fluxo nessa malha. Para termos uma dimensão dos números, os Estados Unidos possuem cerca de 293 mil km de malha ferroviária enquanto o Brasil possui cerca de 29 mil km segundo dados do Ministério da Infraestrutura. Entretanto, no ano passado foi aprovado o novo marco regulatório das ferrovias e deve destravar investimentos através de concessões, otimizando essa matriz.

Tratando-se do nosso “manicômio tributário” há necessidade urgente de uma simplificação. Nosso sistema atual tributa em cerca de 34% as empresas, nos colocando em um desconfortável ranking de segundo país que mais tributa no mundo de acordo com dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

A média dos países desenvolvidos está em torno de 20%. A reforma tributária é considerada um consenso e deve ser proposta em um cenário próximo. A simplificação e modernização desse sistema deve ser proposto para desburocratizar e viabilizar a entrada de capital no país.

No âmbito da insegurança jurídica, há necessidade das instituições competentes e empresas respeitarem os contratos firmados. Isso é essencial para garantir uma maior previsibilidade nos negócios e tornar o ambiente atrativo.

É inegável que tivemos importantes avanços nos últimos anos, como o marco das ferrovias, marco da cabotagem, independência do Banco Central. Essa agenda trará bastante investimento em todos os setores da economia e não podemos reavaliar ou retroceder. Ainda precisamos endereçar todos esses gargalos citados, em direção as melhores práticas realizadas por países desenvolvidos. O Brasil, mais uma vez, tem total condições para poder oferecer um ambiente propício a novos negócios, basta apenas fazer o dever de casa, equilibrar o seu fiscal e garantir segurança jurídica.

Publicado por

Ricardo Leite Franco Filho

Partner & Investment Analyst at Santa Fé Investimentos