O AGRONEGÓCIO, AS METAS CLIMÁTICAS E INJEÇÃO NA VEIA QUE DEVERIA VIR DA COP26

Novembro inicia com os olhares mundiais atentos ao 26º encontro da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, popularmente conhecido como COP26. O evento, sediado em Glasgow (Escócia), faz parte da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC) e tem como ambição definir metas mais agressivas de redução nas emissões de carbono para a próxima década, além de fomentar outras bandeiras, tais como a redução das emissões de metano, a erradicação do uso do uso de carvão vegetal e a adoção de carros com zero emissão nas próximas décadas. 

O encontro também reforça a importância de aumentar o aporte financeiro de países ricos para apoiar nações emergentes nas ações que envolvem mitigação de emissões, adaptação e transição energética, razão que justificou a criação da Glasgow Alliance for Net Zero, uma aliança que visa fomentar recursos para a economia net zero. 

Ao longo de 10 dias de discussões, 197 países estarão debruçados sobre uma agenda extensa de objetivos. Nos seus primeiros dias, o Brasil assumiu alguns compromissos. Está entre os 100 signatários comprometidos em reduzir a emissão de metano em 30% até 2030 e tem oito cidades, em um grupo de mil outras mundialmente, decididas a cortar pela metade a emanação de carbono até a mesma data. 

O que esperar dos próximos dias do encontro nos temas relacionados a desmatamento e agronegócio? 

Desmatamento: em linhas gerais, o mundo pede fim ao desmatamento. Como filha de produtores rurais que estão na Amazônia Legal há 40 anos, como ambientalista e detentora de excedente de reserva legal, reforço o senso de urgência para discutir o financiamento da floresta em pé. Somos quase 29 milhões de habitantes na Amazônia e a conservação somente será possível se for prevista dentro de um cenário de dinamismo econômico que garanta a vida digna desses brasileiros que aqui habitam. Não existe solução simples. Mas uma boa pedida seria sair desta COP26 com um fundo garantidor de florestas, alimentado pelos países Europeus mais ativos nesta agenda climática. 

Esse fundo poderia ajudar a corrigir distorções gritantes, como o fato de os bancos públicos e privados não aceitarem floresta em pé como garantia de empréstimos reais. Sob o ponto de vista da maximização do lucro ao acionista, é até compreensível esta posição dessas instituições, dado o risco existente. Por outro lado, são esses mesmos bancos que assinam como signatários o compromisso de combater o desmatamento. Se aceitar floresta nativa como garantia distorceria o balanço anual esperado, pelo menos essas empresas têm a força necessária para impulsionar a criação de fundos garantidores com recursos europeus, que pudessem lastrear empréstimos para negócios que têm a própria floresta em pé como garantia. 

Ainda no tema do financiamento, a COP26 se beneficiará se repensar o fluxo do dinheiro prometido para ajudar o Brasil no combate ao desmatamento. Garantir que recursos cheguem às mãos de quem são os donos dos ativos ou do direito de propriedade é crucial. Nas últimas três décadas, muitos recursos vieram para essa agenda, mas pouco chegou na ponta, de fato.

Agronegócio: existe uma oportunidade enorme de acelerarmos o que chamamos de terceira via – ou seja, aquela em que a produção e a conservação coexistem e não representam uma dicotomia. Aquela imagem do agronegócio destruidor cria um estigma que é falacioso e precisa ser revista. Os produtores são as pessoas que estão no dia a dia do campo e muitos deles preservam volumes imensos de áreas de floresta em todo Brasil. 

Muitos produtores têm plena consciência da importância de manter suas APPs, de seguir o código florestal, de zelar pela água, e já entenderam que o mundo pede responsabilidade na produção para garantir acesso a mercados. O que precisamos é valorizar imensamente esse grupo e separar o joio do trigo: enaltecer quem busca o caminho adequado, quem já faz certo, dar voz e luz às boas práticas, financiar quem produz conservando e quem quer se aprimorar nesse caminho. 

O mundo precisa de alimentos e sabemos que esta demanda será em grande parte atendida pelos produtores rurais do Brasil. Que tal reconhecer que o produtor rural tem que ser um parceiro nesta jornada e incentivar a produção que conserva? Em algumas décadas de trabalho, a recém-aprovada CPR (Cédula de Produtor Rural) Verde é o mecanismo mais inteligente que vi até o momento para auxiliar nessa trajetória. Trata-se de um título para recompensar o produtor pela preservação ambiental. Quem sabe os países da COP26 poderiam também fortalecer esse mecanismo aportando recursos, já que o fim do desmatamento é tema tão defendido por todos?

Até 12 de novembro, vamos poder acompanhar os debates que vão se desdobrar em acordos e ações para os próximos anos, impactando enormemente nossa rotina. O tema do financiamento para o combate ao desmatamento é crucial. O Brasil é um país com duas riquezas muito significativas: sua biodiversidade e seu potencial produtivo. Para fortalecermos o cenário no qual essas duas riquezas coexistem, precisamos que o mundo aporte muitos recursos por aqui — e que os recursos cheguem à ponta, nas mãos dos atores que conservam e onde reside o poder de tomada de decisão sobre o uso da terra. Estamos precisando mais de injeção na veia do que de pílulas que prometem milagres. 

Publicado por Ana Luisa Da Riva

Partner & Chief Sustainability Officer na Santa Fé Investimentos