POUSO OU DECOLAGEM? O CENÁRIO DAS COMPANHIAS AÉREAS NO BRASIL

Com um prejuízo acumulado próximo a 50 bilhões de reais desde 2014, a situação das companhias aéreas está cada vez mais difícil no Brasil, levando o governo a estudar medidas para auxiliar na recuperação do setor de aviação uma vez que suas finanças estão diretamente relacionadas com o desenvolvimento econômico do país. Em resumo, esse endividamento se deve a dois importantes fatores que veremos a seguir.

Em março de 2020, eram anunciadas pelo Governo Federal as primeiras medidas restritivas para o combate à propagação do Corona vírus, como o lockdown. Naquele momento, não se imaginava que essa dinâmica traria dificuldades econômicas extremamente relevantes para setores dependentes da atividade presencial, como a aviação, por tanto tempo. Basicamente, as empresas precisavam arcar com aviões e salários mesmo sem a operar;

Como demonstrado na Figura 1 abaixo, é visível o impacto sobre o número de passageiros transportados no Brasil durante o 1º ano de pandemia.

Figura 1: Passageiros transportados no Brasil (em milhões), 2018-2023, ANAC

Outro fator importante para o difícil momento do setor aéreo é o crescente aumento do custo das passagens no mesmo período, alinhado ao preço do QAV (Querosene de aviação civil), como mostram as figuras 2 e 3 abaixo. O preço por litro avançou cerca de 143% de 2020 até 2022. Já o preço do petróleo subiu aproximadamente 42% de 2021 para 2022. Para justificar o aumento dos preços, podemos citar a invasão do território ucraniano pela Rússia e o confronto Israel-Hamas como principais detratores de pressão altista ao insumo.

De acordo com dados da ANAC, destaca-se que os combustíveis e lubrificantes correspondem a aproximadamente 40% do custo do serviço aéreo no país.

Figura 2: Tarifa aérea real média no Brasil (em reais),2018-2023, ANAC
Figura 3: Preço do Querosene de Aviação (em reais),2018-2023, ANAC

A crise que se estabeleceu nos últimos anos é notória. Recentemente, fortes efeitos começaram a surgir para os 3 principais players do país. Em 2020, a Latam entrou com um pedido de recuperação judicial na justiça dos Estados Unidos após adquirir uma dívida de 10 bilhões de dólares. Mais de 2 anos depois, a companhia concluiu o processo com 2,2 bilhões de dólares de liquidez e uma redução do endividamento próxima a 35%. Além dela, ainda no início deste ano a Gol deu entrada no mesmo processo de recuperação com dívida próxima aos 20 bilhões de reais.

Parece que o governo entendeu a situação. O ano de 2024 começou com o ministro Fernando Haddad se comprometendo em auxiliar o setor aéreo, buscando medidas que possam contribuir para a melhora operacional e financeira, mesmo que de maneira tardia.

A partir disso, são identificadas 3 possíveis atuações para impulsionar a recuperação do setor:

●       Reduzir o preço do querosene de aviação: cenário delicado, uma vez que implica na operação da Petrobrás, companhia estatal cercada por interesses políticos e econômicos que poderiam ser afetados. Além disso, uma improvável dinâmica de redução de impostos também reduziria o custo de operação das empresas.

●       Revisar a legislação buscando reduzir a quantidade de processos judiciais envolvendo as companhias aéreas. O Brasil é um dos países com maior incidência de casos no mundo em virtude da intensa atividade na proteção ao consumidor. De acordo com o Ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, quase 80% das ações cíveis no mundo contra as companhias aéreas estão concentradas no Brasil.

●       Utilizar o Fundo Nacional de Aviação Civil como garantia para linhas de crédito e financiamento de manutenções. O FNAC possui 7 bilhões de reais parados, resultado das concessões de aeroportos privatizados. Alinhado à isso, também existe a ideia da criação de um outro fundo emergencial, cogitando-se o envolvimento até mesmo do BNDES como financiador. O Banco pediu garantias antes de se movimentar.

De fato, chegou a hora de arremeter o pouso. Com a tarifa aérea real média em maiores níveis desde 2010, é necessário um desvio de percurso para evitar um cenário ainda mais desafiador para os setores de transportes e turismo, grandes influentes na economia brasileira. Acredito que a escolha por um desses planos é apenas um insuficiente primeiro passo e não corrigirá um panorama extremamente defasado. É como cavar um buraco e o tapar pela metade. Ainda assim, aguardaremos as medidas que serão anunciadas pelo Governo na esperança de que as companhias aéreas voltem a decolar!

Publicado por

Bernardo Gomes Lamas de Carvalho

Partner & Investment Analyst at Santa Fé Investimentos